Entrevista exclusiva com Luiz Marinho, presidente estadual pelo PT de São Paulo
Político conversou com o Contratempo sobre seus planos para o estado, a crise política e econômica e a Reforma Trabalhista
O atual presidente estadual por São Paulo do PT, Luiz Marinho, tem uma longa trajetória política. Começou na militância desde muito cedo, foi presidente da CUT em 2003, quando conquistou linhas de crédito mais baratas aos pequenos produtores, em 2005 se tornou Ministro do Trabalho e lutou pelo aumento real do salário mínimo de pelo menos 13%, também foi Ministro da Previdência em 2007 e, por fim, se tornou prefeito de São Bernardo do Campo em 2008, cargo pelo qual foi reeleito.
Em entrevista exclusiva para o jornal Contratempo, Marinho fala sobre sua trajetória política, quais serão os desafios da esquerda nas próximas eleições, inclusive sobre a candidatura do ex-presidente Lula. O político ainda explica como a Reforma Trabalhista é prejudicial à economia como um todo e ressalta que é sim possível reverter essa situação. Confira!
CONTRATEMPO: Luiz, sua trajetória política é marcante pela luta sindical e dos direitos dos trabalhadores. Recentemente sofremos grandes derrotas no congresso e senado referentes às Reformas da Previdência e do Trabalho, mesmo com ampla rejeição da população. Como isso vai influenciar diretamente nos trabalhadores? E os patrões, realmente serão beneficiados com essas medidas?
Luiz Marinho: Eu acho que há um equívoco muito grande nos enunciados das reformas, que elas podem gerar mais empregos. Na realidade isso é uma grande falácia, porque o que gera criação de empregos é o crescimento da economia. Falar de Reforma Trabalhista e Lei da Terceirização é dar uma fragilizada geral nas relações de trabalho. Fragiliza o papel dos sindicatos, o papel da negociação. Essa opção é totalmente equivocada, modernizar relação de trabalho é uma coisa, agora formalizar o “bico” é um verdadeiro atraso, como se fosse o principal contrato. Aliás, arrumaram um nome bonito para o “bico”: Contratos Intermitentes.
O Brasil é um país continental, um país onde sindicatos altamente organizados conseguem se manter. Já com a categoria frágil, o trabalhador estará frágil, bem como o seu sindicato. Como podemos falar de um trabalhador por si fazer sua própria negociação, se ainda no Brasil existe trabalho escravo?
Eu não acho que gera emprego coisa nenhuma. Veja o exemplo de uma padaria. Imagine que ela tem lá seus 20 funcionários, cada um com sua função. O dono da padaria não vai contratar mais pessoas se a fila dos compradores não aumentar também. O problema é a economia.
Isso também reflete na Previdência. A Previdência ainda não foi desmontada, mas pretendem desmontar, e o que está por trás deste desmonte são os bancos como principais beneficiados, ou seja, um atraso geral.
Eu acho que isso também pode influenciar no processo eleitoral, pois tá caindo à ficha da população.
CT: Quais as possibilidades de anulação dessas reformas com o seguinte presidente?
LM: Eu creio que sim. Depende da combinação de governo e parlamento. As centrais sindicais estão colhendo assinaturas para entrar com um projeto de iniciativa popular, pedindo a revogação da Reforma Trabalhista. Porém eu não vejo nenhuma possibilidade disso acontecer com o atual parlamento. Só talvez com um próximo mandato, tanto de poder quanto de parlamento, que eventualmente teremos como pautar um assunto como esse, que seria uma reformulação de tudo o que eles mexeram, já que isso é altamente prejudicial.
Por exemplo, pega as construtoras que construíram Belo Monte, é impossível na usina ser cumprida a lei que diz a contratação de pessoas deficientes por cotas, mas daria para fazer contratos especiais. Sindicatos e empresas pensariam juntos como fazer isso e ver qual a eficácia dessa lei. Isso sim seria um processo de modernização na contratação de pessoal. Até porque essa coisa de negociação individual já existe! O que se está fazendo com essa Reforma é legalizar a negociação aquém do que estabelece a lei. Desmontando totalmente a legislação trabalhista.
CT: Inclusive você foi um grande articulador pelo salário mínimo em 2005, enquanto Ministro do Trabalho. Com a lei da terceirização, o salário mínimo pode entrar em extinção?
LM: Pode! Se você autoriza negociar qualquer coisa, vai valer exatamente isso: qualquer coisa! A minha expectativa é que a gente consiga reverter esse processo. Porque desse jeito fragiliza demais. Não tem mais nada que pare em pé se de fato vingar essa lógica da negociação individual entre funcionário e seu empregador. Na verdade essa é uma lei que ao invés de resolver os problemas, gera mais conflitos.
CT: Sim, inclusive a grande classe manejadora do golpe foi a dos grandes empresários e indústrias. Esses setores da sociedade não seriam uma grande pedra no meio do caminho para reverter a Reforma Trabalhista e a Lei da Terceirização?
LM: Eu creio que não. Se tiver um próximo governo que pense diferente, um congresso que se renova, com a classe trabalhadora pressionando, vai ser possível mudar. Evidentemente, vão existir adversários tentando impedir. Mas isso faz parte do processo democrático de disputa na sociedade.
Um governo de espectro de esquerda popular teria condições de reforçar um novo momento desse processo.
CT: Mudando um pouco de assunto e voltando agora para a esfera estadual, nos últimos dias você se tornou o Presidente Estadual do PT pelo estado de São Paulo. Você se considera também um pré-candidato ao governo do estado? Já existe algum plano para colocar isso em prática?
LM: Nós vamos até o final do ano definir a candidatura para Governador do Estado. Por enquanto meu nome é o único colocado à disposição da militância. Então é bem possível que eu venha a ser o candidato a governador sim. E vamos discutir especialmente a qualidade do governo em poder atualmente no nosso estado, ou seja, desde que o PSDB é o PSDB.
É preciso refletir que se eles governam há tanto tempo é pressuposto que estivessem resolvendo todos os problemas do estado. Quando na realidade há retrocessos, como na área da segurança, da educação, da geração de empregos, logística, enfim. Cada ponto que você analisar na verdade não houve evolução. É preciso que a sociedade paulista reflita sobre isso.
CT: E você já teve experiência de enfrentamento ao PSDB como prefeito de São Bernardo do Campo. Na época das eleições, seu principal concorrente era do PSDB. Como o PT se articulou para vencer esse partido golpista? Essa experiência pode ajudar a refortalecer a esquerda no estado de São Paulo?
LM: Primeiro é apresentar os resultados que nós conseguimos, a experiência que temos, seja estadual, municipal ou nacional. Com meus oito anos de governo por São Bernardo eu adquiri muita experiência de gestão. Já que o PSDB gosta tanto de falar sobre gestão e planejamento, né! Mas a gente observa que o planejamento deles não funciona. Já eu posso dizer que fiz uma gestão planejada, com resultados importantíssimos seja na habitação, na educação, na saúde, na questão da gestão ambiental, como recuperar nascentes, etc. Creio que com essa experiência seja possível a gente debater.
Quando eu fui candidato a prefeito de São Bernardo, eu tinha apenas 3% das intenções de voto e na época era ministro do Presidente Lula e tinha pedido para ele me exonerar. Ele chegou a insistir para que eu ficasse no governo, e que seria difícil derrotá-los. Mas eu dizia com toda a segurança que a gente construiria a nossa vitória durante a campanha e assim, graças a Deus, foi feito. Em São Paulo também. É possível que esse cansaço com a gestão do PSDB, com várias pessoas como pré-candidatas pelo partido. Portanto eu acho que é um grande momento oportuno para o PT.
CT: As investigações da Lava Jato desgastaram muito a imagem da esquerda no país, criando um ambiente hostil e extremamente dividido. Como a esquerda pode recuperar a sua imagem e reconquistar a confiança dos eleitores?
LM: Na verdade a corrupção é praticada por pessoas, e não por instituições. Eu acho que esse é um conceito importante para ser debatido. Segundo, há também confusão do outro lado. Muitos bradaram: tira a Dilma e tira o PT que tudo se resolve! E a verdade é que o Temer e a turma dele se tornaram a configuração de uma verdadeira quadrilha, acho que o povo já consegue ver isso. E o PSDB é o principal partido de situação do governo Temer.
Já agora o Lula tem larga vantagem em qualquer disputa de cenário eleitoral. Aqui em São Paulo nós vamos ter que construir durante a campanha esse debate. Apresentando, fazendo os enfrentamentos e discussões, enfim, dando atenção para todas as regiões do estado, seja nas cidades pequenas, médias ou grandes.
Sempre buscar por um grande envolvimento do povo paulista na formação do Plano de Governo que vai contar também com uma plataforma digital que irá ouvir a população. E nós vamos caprichar aqui no estado de São Paulo, um pouco para provocar na população essa colaboração com nosso Programa de Governo, e apresentar altamente essa experiência participativa.
CT: Numa entrevista realizada no começo do ano à Folha de SP, você chegou a dizer que a cassação à chapa Dilma-Temer e o consequente impeachment do governo golpista seria um Golpe número 2. O que você quis dizer com isso?
LM: Na verdade, a Dilma foi cassada se rasgando a constituição, que deve ser respeitada. Então, quando se fala de eventualmente o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) cassar a chapa Dilma-Temer não faz sentido, já que as contas foram aprovadas. Não faz sentido qualquer debate para cassar a chapa para propiciar que o Rodrigo Maia, no caso presidente da Câmara, assuma como presidente da República. A democracia brasileira ainda está num processo completamente jovem. E com golpes em cima de golpes só fragiliza ainda mais nossa democracia.
Se o Temer fosse um democrata verdadeiro, do jeito que tá, ele já teria que ter convocado nova eleição presidencial, anunciar emenda constitucional propondo mandato excepcional de cinco anos. Para que o povo pudesse escolher o seu destino. Pois a crise econômica não terá solução se não tiver uma participação da verdadeira política. A política sim que tem capacidade de transformar as coisas. É preciso o povo escolher um novo presidente com credibilidade para poder eliminar esse conflito que a sociedade enfrente hoje. Alguém que possa ter viés sobre qual a sua prioridade e a capacidade de negociar com todos, como foi o Lula.
O Lula foi um exemplo clássico de como deve ser feito, ou seja, representa a classe trabalhadora, mas com toda a capacidade de negociar com os diferentes, de forma a harmonizar politicamente o país e assim retomar o crescimento econômico do país.
CT: E para conseguir tal efeito o PT já está se organizando para montar suas alianças de governo? Terá preferência pela militância e partidos com ideias semelhantes ou há a possibilidade de haver uma nova união com o PMDB?
LM: O PMDB de fato é muito difícil. O PMDB na verdade não é um partido, é um conglomerado de intenções. Cada estado tem um pedaço diferente. É possível que possa haver pemedebistas pró-Lula. Agora uma aliança com o PMDB nacional está fora de cogitação. O que nós vamos buscar discutir com os partidos que compuseram historicamente aliança com o PT e que toparem fazer, nós vamos buscar. E eu acho que a candidatura do Lula é aguardada por muitos partidos, pela possibilidade de uma aliança mais ampla, mas seguramente nós vamos ter uma aliança mais restrita. A gente trabalha com a convicção de que o Lula será candidato e o povo é quem irá escolher se ele deve ser presidente ou não. Até porque o Lula tem o sonho no retorno ao povo brasileiro, e aparentemente a maioria do povo brasileiro também tem sonha com o retorno do Lula.
É evidente que nós vamos buscar compor todos os seguimentos da sociedade. Na realidade, a candidatura de José de Alencar como vice, era mais que uma aliança entre partidos políticos, era uma aliança entre o setor empresarial nacional. E isso nós vamos buscar de novo, buscar por lideranças que possa se destacar além da aliança política. Porque o José de Alencar também representava uma grande parte da população brasileira, e uma aliança tão perfeita que transformou o Brasil.
CT: As especulações acerca da candidatura do ex-presidente Lula só aumentam com seus altos índices nas pesquisas, deixando todos os outros candidatos para trás em qualquer cenário. Qual vem sendo a expectativa do partido para as próximas eleições? Mesmo num cenário de vitória do Lula, como será sua governança num congresso dominado pelas bancadas da bala, bíblia e agronegócio? Você acha que a governabilidade será possível?
LM: O resultado de governo de um país do tamanho do nosso com as regras democráticas que têm, e a nossa opção é pela democracia e foi assim que Lula provou sua vocação de governar. Não há como governar sem ter a composição do parlamento. Depende do resultado do parlamento, evidente que a gente espera que a sociedade brasileira eleja um parlamento completamente diferente desses. Não vai ser muito diferente, mas é possível que a sociedade faça uma reflexão e eleja um congresso diferente. A nossa expectativa é de crescimento da nossa bancada.
Em 2014, nós tivemos uma diminuição razoável da bancada. Evidentemente que não temos pretensão de conseguir a maioria no congresso, mas com a esquerda, a centro-esquerda e o centro é possível fazer um processo de composição negociada. O Lula conseguiu governar sem eleger a maioria no congresso e fez um grande governo. A Dilma teve mais dificuldade no congresso, mas conseguiu completar seu primeiro mandato, já no segundo que acabou tendo dificuldade advinda da disputa muito acirrada nas eleições e da não aceitação por parte do PSDB e do Aécio com os resultados eleitorais, que transformou a vida da presidenta num inferno e que com todos os impactos culminou no impeachment.
Este é um momento de reflexão da sociedade brasileira sobre o processo eleitoral. Há grandes indicações que o povo brasileiro se arrependeu de ter apoiado o golpe. Portanto, há um processo de compensação para com o governo Lula e sua possibilidade real de candidatura. O povo brasileiro precisa ser respeitado, a medida que ele elegeu um congresso, o governante tem que saber conversar com o congresso, isso faz parte da regra democrática.
CT: Marinho, agora sobre a democratização da mídia, que nunca saiu do papel durante o governo PT. Há algum plano de enfim retomar esse projeto, caso Lula seja eleito novamente?
LM: Nós temos vontade de fazer um processo de democratização dos meios de comunicação. Âmbito que nunca foi democrático. É possível notar uma dúzia de famílias com o monopólio da comunicação no Brasil. Na época do governo Lula, inclusive sob o comando saudoso Luiz Gushiken na Secretaria de Comunicação, foi possível romper algumas barreiras da publicidade nos pequenos jornais, pequenas cidades, enfim.
De maneira geral é um grande monopólio. A vontade é de sim pela democratização. O Lula até encaminhou um projeto para criar um conselho de jornalismo formado por profissionais. Mas com a reação violenta desse monopólio, o congresso se assustou. Como governo nós vamos tratar novamente essa proposição.
Vai depender da sociedade brasileira participar desse processo de pressionar e convencer o congresso, é assim que a democracia natural acontece, através da participação a favor ou contra da população. A depender do PT, é evidente que nós queremos democratizar os meios de comunicação.
Confira as fotos da passagem do Presidente Estadual do PT-SP por Ourinhos: