Estudantes da UENP fazem abaixo assinado contra regime especial de aula imposto pela direção

 

2.136 alunos da UENP fizeram um abaixo assinado contra regime especial de aulas online imposto pela direção da Universidade no último dia 20 de maio, devido a pandemia do Coronavirus.

De acordo com os alunos, além da decisão ter ocorrido sem diálogo com os estudantes, irá prejudicar diretamente alunos que não possuem acesso a internet em suas casas.

A reportagem do Contratempo entrou em contato com alguns alunos que relataram os problemas que irão enfrentar, caso a decisão não seja revertida.  Veja abaixo alguns depoimentos:

Fabiana é aluna do segundo ano do curso de História e representante do CCHE do Campus Jacarezinho no CEPE (Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão), onde foi aprovado o chamado Regime Especial no último dia 21. A estudante crítica o método antidemocrático da reunião que definiu a implantação do regime especial de aulas, que irá prejudicar centenas de alunos da UENP. ” Na reunião do CEPE, Conselho de Ensino e Pesquisa e Extensão da Universidade, do qual faço parte, uma série de medidas antidemocráticas foram tomadas, a reitoria e Conselho passaram por cima das vozes dos estudantes, desconsiderando um abaixo assinado com 2.136 assinaturas recolhidas em 24 horas,  e também  passaram por cima de uma nota de repúdio contra o ensino remoto, assinada por 17 entidades estudantis.  Mas o caráter antidemocrático se deu também na votação que definiu a aprovação do regime especial, pois nós estudantes somos minoria no Conselho, além de que, tiveram direito ao voto além dos conselheiros democraticamente eleitos, a PROGRAD (que foi quem propôs o regime especial), os professores conselheiros (que são maioria no Conselho), e dessa vez em especial, tiveram voto tambem os coordenadores de Curso (que não compõem o Conselho mas tiveram direito a voto na aprovação da minuta), enquanto os estudantes que são a maioria da Universidade só tiveram direito a um representante discente por centro nas votações.  Outra questão grave e antidemocrática que foi determinante para que o sistema EAD fosse imposto goela abaixo dos estudantes, foi a pressão feita sobre os professores temporários (CRES), que foram coagidos a se posicionar de forma favorável, sob pressão falaciosa de não terem seus contratos renovados (esses professores compoem maioria nos colegiados, caso de Odontologia por exemplo que só há um professor efetivo). Sem as renovações de contratos teríamos então professores desempregados, e alunos sem professores, embora essa pressão desconsidera que o Regime não salvaguarda os contratos dessa categoria em si, pois os professores CRES participam das reuniões de colegiado, muitos tem grupos de pesquisa e extensão, além de dar os componentes curriculares presenciais. O contrato que é de 2 anos pode ser renovado (ou não) depois desse prazo, e nossa universidade conhece bem os caminhos para a recontratação. Fazendo o medo pairar sob os professores que temem em relação aos seus empregos e salários, usam-se também da justificativa para aprovação do Regime, o repasse de verbas, que segundo nossos reitores e professores, caso não fosse aprovado, poderia ser que não houvesse o repasse de verbas, o que poderia provocar o fechamento dos Campus da Universidade, devido a falta de capacidade de fechamento de contas. O que é outra falácia, pois mesmo em tempos normais nos ameaçam mas nunca cortam. Usam-se da pandemia para impor isso aos Estudantes, e precarizar ainda mais o ensino ”, revelou.

Sthefany Rita Lourenço, 22 anos, é da tribo
Guarani Nhandewa, Terra Indígena Laranjinha, Santa Amelia-PR e faz o curso de Pedagogia
na UENP. Campus de Jacarezinho.
^Nos estudantes indígenas da universidade estadual do norte do Paraná-uenp, pertencentes a duas etnias de povos indígenas do brasil, sendo elas guarani e kaingang, e moradores de 5 terras indígenas, nos colocamos totalmente contra esse regime especial, que a uenp está nos impondo de forma totalmente ditatorial, pois ao ser aprovado esse sistema de ensino a universidade não levou em conta os anseios da comunidade acadêmica e principalmente um abaixo assinado realizado pelo DCE-UENP, no qual contou com mais de 2000 mil assinaturas de estudantes da universidade, contra esse sistema de ensino remoto.
Nós os 24 estudantes indígenas, em sua maioria, seremos um dos grupos mais afetado por esse sistema que exclui os menos favorecidos em relação a sua condição socioeconômica. Nossas terras indígenas não contando com sinais de wifi de boa qualidade, sinal de dados moveis 4g também de baixa qualidade, celulares que não suportam os aplicativos e plataformas exigidos para esse sistema remoto, muitos sem computadores e notebooks em suas casas, não teríamos como participar das atividades remotas.
A UENP se negando a conhecer a realidade de seus próprios alunos se torna tudo aquilo que ela tanto luta contra, um ensino excludente que somente beneficiara a uma parcela de sua comunidade em detrimento de uma minoria que foi silenciada. Esse regime especial se tornara mais uma barreira, das tantas outras, que nós enfrentamos para podermos estar dentro de uma universidade”.

Elon Lucas Jacintho, 29 anos, Guarani Nhadewa, terra indígena Laranjinha de Santa Amélia (PR), cursa Geografia no Campus Cornélio Procópio e afirma que será prejudicado diretamente pelo regime especial de aulas.  “Já tivemos uma experiência na aplicação desse sistema remoto entre os dias 18 de março e 01 de abril, em que assim como eu, muitos alunos não conseguiram realizar grande parte das atividades.  Nós alunos indígenas somos as duas maiores etnias ( Guarani e Kaingang) do Brasil,  divididos em 5 terras indígenas do norte do Paraná e cada local  tem sua particularidade e e praticamente em todas  delas,  o sinal de internet é péssimo e ao impor o regime especial, a UENP não levou isso em consideração e irá nos prejudicar imensamente “, criticou.

Ana Lúcia, graduando em Licenciatura em História pela Universidade Estadual Do Norte Pioneiro – UENP.  “Sabemos que vivemos em um país aonde grande parte da população não tem acessibilidade a coisas como internet, por exemplo, ou até coisas básicas e imprescindíveis como saúde. No entanto em março de 2020 uma pandemia mundial de COVID-19, uma doença grave e contagiosa, eclodiu e as atividades acadêmicas, escolares, fabris e comerciais foram reduzidas ou canceladas devido o grande risco de contágio. Na universidade as pessoas que têm acesso a internet, um eletrônico como Notebook ou celular puderam continuar acompanhando as atividades que alguns professores passaram enquanto outros alunos se sentiram perdidos em relação ao que estava e está ocorrendo na universidade. Eu fui bolsista do Programa Institucional De Iniciação a Docência – PIBID no ano de 2019 e estava no primeiro ano, para realizar atividades, ler e-mails, redigir relatórios e fazer pesquisas sempre utilizei os computadores da biblioteca ou um notebook que uma amiga de pedagogia noturno me emprestava, aliás eu só consegui ter acesso aos computadores da universidade porque uma outra amiga veterana de história me passou sua senha e login porque na universidade só pode ter um cadastro a partir do segundo ano para acessar aos computadores. Com tudo o que está acontecendo e com o prédio fechado e visando respeitar as medidas de saúde e prevenção do COVID-19 recomendadas pela Organização Mundial De Saúde (OMS) não é cabível frequentar uma lan-house, que seria uma opção depois da biblioteca da universidade ou a biblioteca municipal, no momento. Penso ainda nos alunos que moram em áreas rurais ou que não tem condição alguma de ter acesso ao menos a um celular, o quanto excluídos eles estão sendo perante as medidas que o Regime especial imposto pela UENP traz juntamente com a modalidade EAD que como já sabemos é inacessível para estudantes de baixa renda e/ou que têm pouco acesso por condições externas a eles, temos também as questões das bolsas, a UENP foi selecionada para os programas do PIBID e Residência Pedagógica, mas como isso funcionaria? Sabemos que teria de ser através de plataformas digitais mas estamos aqui expondo justamente a questão da falta de acesso de alguns alunos a essas plataformas o que os impossibilita de acompanhar as aulas, reuniões, compartilhar ideias, tirar dúvidas, ter acesso a textos e todos os conteúdos e ferramentas que a internet tem para essa finalidade, então esse questionamento de como isso iria funcionar se faz muito importante já que as bolsas são destinadas a pessoas que necessitam de se manter na universidade e tem dificuldades financeiras ou somente a bolsa como renda, os mesmos estudantes que não vão ter acesso a esses programas esse ano e isso é inadmissível. No dia 21.05.2020 uma reunião foi realizada com o CEPE na qual votariam a opção de aderir ao EAD no entanto com 21 votos a 13 o EAD foi aprovado e os colegiados pressionados a aderir juntamente com toda a universidade, estudantes dos Centros acadêmicos tem se mobilizado e antes da reunião do dia 21 foi elaborado um abaixo assinado que contava com mais de 1600 assinaturas de alunos dos campi no entanto esse documento foi ignorado e nem sequer mencionado durante a reunião. Os discentes exigem que a reitoria se posicione como irá proceder diante dos estudantes sem condições de acesso e a falta de do espaço que está sendo negado ao estudante, um componente muito importante para a universidade, assim como todos que trabalham para que a universidade funcione. Sabemos que a pobreza no Brasil é um projeto, uma forma de tirar o acesso do pobre, de o alienar e assim manter a marginalização da pessoa perante a sociedade, a educação é elitista e adotar tais métodos ainda não ouvindo aos estudantes e outros docentes, assim como suas necessidades, contrários ao método aprovado direcionando, mais uma vez, a educação somente pra quem tem condição de acesso só comprova e afirma a desigualdade institucional”, criticou.

Victória Alves Sanches, 18 anos, é estudante de Pedagogia na UENP e membro do ConsUni (Conselho Universitário) e questiona o fato que a Universidade Pública deva ser para todos.
“A universidade pública carrega um lema de “educação para todos”, porém vemos que não é bem assim. Em meio a uma pandemia a universidade aprovou um Regime Especial, que nada mais é do que um EAD. Ignoraram um abaixo assinado organizado pelo DCE com mais de 2.100 assinaturas de alunos contra esse Regime. Ignoraram a falta de acesso a internet, a dificuldade de entendimento dos conteúdos, a vida pessoal e o psicológico de cada aluno. Em tempos como esse, a internet deixa de ser algo essencial em meio a tantas faturas e boletos e a prioridade é moradia, alimentação e saúde. Mas, a universidade não se importou com isso. Estão elitizando a universidade pública e a educação de qualidade. A universidade é para todos, mas quem é esse todo?”

Cleiton é aluno do quarto ano do curso de História e embora considere o EAD uma ferramenta importante, argumenta que nesse momento de pandemia em que as pessoas não podem sair de casa, a implantação de um sistema de regime especial irá afetar diretamente aos alunos que não possuem internet em suas residências.  “A verdade é que as universidades não estão preparadas para garantir uma forma democrática para que todos alunos tenham garantido seu aprendizado.  E muitos alunos , principalmente os cotistas raciais e  sociais que não tem internet em casa, serão diretamente afetados, não tendo como realizar as atividades propostas tão pouco as avaliações, pela plataforma EAD, o que com certeza trará prejuízos enormes em seu aprendizado e desempenho dentro do Curso, já que muitos deles só tem acesso a essas tecnologias dentro do ambiente da Universidade “.

 

Nota da UENP

Na tarde de 20 de maio, a Universidade Estadual do Norte do Paraná, por meio de seu Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE), composto por representantes da Comunidade Universitária – aprovou a implantação do Regime Especial na UENP, período que se inicia a partir de 1º de junho, com a definição da programação a critério de cada Colegiado de Curso de Graduação.

O estabelecimento do Regime Especial foi uma forma que a Instituição encontrou para que seus alunos permaneçam vinculados à Universidade durante o período de tempo indefinido das suspensão das atividades presencias na UENP em decorrência da pandemia do novo Coronavírus.

O Regime Especial consiste no desenvolvimento de atividades não presenciais de componentes curriculares teóricos, mediados pelos professores das disciplinas que serão ofertadas. Importante ressaltar que as referidas atividades encontram amparo legal estabelecido pelo Conselho Estadual de Educação em sua Deliberação CEE/PR 01/2020:

Art. 1.º Fica instituído, excepcionalmente, o regime especial para o desenvolvimento das atividades escolares no âmbito do Sistema Estadual de Ensino do Paraná em decorrência da legislação específica sobre a pandemia causada pelo novo Coronavírus – COVID -19 e outras providências.

Art. 2.º Fica autorizada às instituições de ensino credenciadas e com cursos e modalidades já autorizados e/ou reconhecidos de Educação Básica e Educação Superior, com exceção para a educação infantil, a oferta de atividades não presenciais.

Em seu parecer 05/2020, o Conselho Nacional de Educação alerta que a possibilidade de longa duração da suspensão das atividades escolares presenciais por conta da pandemia da COVID-19 poderá acarretar:

• dificuldade para reposição de forma presencial da integralidade das aulas suspensas ao final do período de emergência, com o comprometimento ainda do calendário escolar de 2021 e, eventualmente, também de 2022;

• retrocessos do processo educacional e da aprendizagem aos estudantes submetidos a longo período sem atividades educacionais regulares, tendo em vista a indefinição do tempo de isolamento;

A UENP, considerando as incertezas quanto ao retorno das atividades presenciais, entende que os desenvolvimentos das atividades por meio de tecnologias digitais poderão minimizar os efeitos nocivos que o distanciamento social impõe. Entretanto, a implantação do regime está alicerçada no planejamento metodológico com vistas a estabelecer o equilíbrio necessário na oferta dos conteúdos. A Reitoria da UENP reafirma que não se trata da transferência de aulas presenciais para aulas remotas e que reconhece as dificuldades que o estabelecimento de uma nova metodologia traz.

A Reitoria destaca que para o período será necessário o estrito acompanhamento pedagógico de cada comissão executiva dos colegiados e coordenadores dos cursos, bem como do repensar da prática docente, característica essa que sempre se faz presente no ensino superior. O Regime Especial se aplica somente aos conteúdos teóricos dos componentes curriculares, a critério e definição de cada colegiado dos cursos de graduação

Com relação a inclusão digital aos acadêmicos que não possuem acesso à internet, a UENP, em parceria com a Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI), vem discutindo uma política de acesso que garanta condições necessárias aos alunos para a realização de suas atividades.

O Regime Especial será acompanhado periodicamente pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, cuja próxima reunião está agendada para o dia 9 de julho.

Última modificação: Sexta, 22 Mai 2020 19:58
Publicado em UENP contra o Coronavírus

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