Homenagem aos professores das FIO

Uma homenagem aos professores Saliba, Brito e Kaz

Em 1969, Darcy Ribeiro publicou sua obra A Universidade Necessária, decorrente de suas experiências na Universidade do Brasil e do projeto de construção da Universidade de Brasília. Concluiu que o papel da Universidade é indispensável à criação de uma consciência crítica.
Trata-se de uma instituição social fundamental, repleta de ideologias e interesses, politizada, incumbida da missão de nortear o desenvolvimento autônomo de sua nação. Despolitizá-la (como supostamente alegam ) seria submetê-la aos interesses e a lógica dominante de distribuição de poder numa sociedade. E aqui temos mais uma lição que nos foi ensinada.
Mesmo quando nada queriam ensinar, grandes intelectuais como são, inseridos com as questões de nossos tempos, acabaram nos dando mais uma lição. Independentemente dos motivos de cada um, a saída de 3 grandes professores nos mostraram como a voz de uma maioria, no caso nós estudantes, pode não se fazer ouvir. Não é fácil enfrentar as estruturas de poder.
Em 1969, já não vivíamos em um ambiente democrático. A ditadura bloqueou a ideia segundo a qual poderíamos transformar a realidade de maneira democrática, organizada e, sobretudo, referenciada em conhecimentos científicos. ¨O cerceamento ditatorial marca um elemento importante, porque confirma que o poder do atraso não está em antípoda com a “modernização” capitalista. A ditadura impõe um constrangimento de natureza epistemológica, ao criar um ambiente universitário (pela força e pela cooptação) “adaptativo” frente ao conhecimento científico produzido em outros contextos e à divisão internacional do trabalho, vinculando, ou tentando vincular, a universidade à modernização conservadora¨.
O que temos hoje, embora não nos remeta a uma ditadura, não deixa de ter seus rompantes autoritários, ¨cada vez mais, temos no país projetos, iniciativas parlamentares, ações judiciais, que subtraem a liberdade de pensamento. Isto é algo que aparentemente ocorre aqui e ali, mas, se examinarmos a Comissão de Educação – um lugar em que a trajetória do Darcy foi importante no Senado, espaço muito importante para pensarmos a educação – observamos inédita iniciativa contra a escola laica, científica, universal, e de igual qualidade para todo o povo¨.
Quem diria que tão pouco tempo após sermos apresentados ao debate sobre o Neoconstitucionalismo através de Luís Roberto Barroso em seu artigo NEOCONSTITUCIONALISMO E CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil), indicado para a leitura ainda no primeiro termo pelo professor Adriano Aranão em sua aula de Introdução ao Estudo do Direito, essa viria a ser tão contestada por não só elevar os direitos sociais à característica de direitos constitucionais como criar garantias para a efetivação desses direitos.
Em momentos como esse, quando o autoritarismo e o obscurantismo parecem tão próximos, algumas perdas se tornam ainda mais dolorosas. Esse é o caso em questão. É dessa forma que vemos não termos mais em nossa instituição de ensino os professores Maurício Gonçalves Saliba, Fernando de Brito Alves e Luiz Fernando Kazmierczak.
Os três não apenas excelentes professores, capazes de passar o assunto com extrema competência e de maneira didática. Mas também capazes de nos fazer refletir.
Já nos havia ensinado Paulo Freire que não basta saber ler que ‘Eva viu a uva’. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho. E, assim, com cada um deles sempre aprendemos sociologia, filosofia, direito constitucional, direito penal, ou qual fosse o assunto.
Desejar-lhes sucesso não seria necessário, todos já o atingiram. Resta apenas nosso agradecimento pelas aulas e ensinamentos partilhados. É com essa intenção que escrevo, apenas tornar público nossa imensa gratidão. Tenho certeza que o reconhecimento mais importante que gostariam de ter não é o da instituição ou de nenhuma outra classe que não a nossa, dos alunos.
Reconhecimento esse que estará sempre manifesto em nós por meio do aprendizado que fica, por meio das ideias que nos instigaram a ter, não por influência, mas apenas por instigar a reflexão e o verdadeiro aprendizado. Ideias tão insanas como o apreço a ciência, a academia e a democracia.
Por fim, peço licença ao poeta Mário Quintana:
Eles passarão,
Nós passarinho.

Roberto Leher – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Revista Interinstitucional Artes de Educar. Rio de Janeiro, V. 3 N.2 – pag 145-153 (jul/out2017): “Número Esperial Darcy Ribeiro”

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