“Furo” de reportagem no Dops!
Por João Teixeira
Os jornalistas dos anos de chumbo enfrentavam todos os riscos para impor suas convicções profissionais e ideológicas em tempos censurados e de violência policial e militar.
O jornalista e escritor Percival de Souza (“Autópsia do medo” e “Eu, Cabo Anselmo”) faz revelações surpreendentes.
Para saber e publicar as coisas, o velho mestre da comunicação aponta várias fontes, momentos e formas de obter a informação.
As fórmulas são muitas, mas o espírito é único: é preciso ter coragem para exprimir a verdade.
Claro, evidententemente, tudo tem seu tempo certo, como exortou o sábio Salomão.
Certos detalhes jornalísticos só vem á tona no momento certo.
No final dos anos 60, quando Percival dava seus primeiros “furos” jornalísticos no “Jornal da Tarde”, que revolucionou a Imprensa brasileira, eu, João Teixeira, era um humilde “foca” (aprendiz) da profissão.
Em 1968, no início do terrorismo político em São Paulo, o esotérico Sábado Dinotos alvoroçou os órgãos de segurança.
Dinotos havia recrutado um exército clandestino de milicianos da Força Pública (40 homens) que reagiam á bomba contra a ingerência do Exército federal á frente da tropa estadual.
O que Bolsonaro tenta fazer hoje em seu delírio de poder tem antecedentes desastrosos.
Percival de Souza deu-me a apelido de Corisco na redação do JT e aulas magistrais de jornalismo.
O que vos narro a seguir é uma delas.
Assim como o jornal “O Estado de São Paulo”, arauto e mentor do golpe militar em 1964, era um atraente alvo para a esquerda armada, a visita a um prisioneiro político no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), a polícia do pensamento, era tarefa altamente suspeita.
Percival de Souza:
__ Era muito comum você ter um amigo preso. Tive muitos amigos presos, como o Humberto Kinjó.
Naquela época, os acusados de homicídio á espera de julgamento no Tribunal do Júri eram automaticamente presos, “pronunciados”, no jargão jurídico.
Um investigador de Polícia, chamado Hilkias de Oliveira, depois deputado estadual e presidente da Associação dos Delegados de Polícia, estava preso na polícia política.
Hilkias estava preso, desde 5 de maio de 1968, porque, em companhia de um policial do Rio, havia matado a tiros um industrial na Praça Sílvio Romero, um crime comum.
O policial lotado na Delegacia de Furtos de Automóveis confundira o industrial com um ladrão da praça e cometeu o crime – atirou na pessoa errada.
Preso, Hilkias evidentemente precisava dar sua versão dos fatos, defender -se e explicar o engano que o levara ao homicídio, “o que, aliás, era interessante jornalisticamente”.
Usando tato e psicologia, diplomaticamente, o repórter Percival de Souza teve a habilidade de tirar partido das necessidades do policial encarcerado.
Colocado á disposição da Justiça, Hilkias trabalhava aos domingos na portaria do Dops, no controle das visitas.
O prisioneiro-funcionário ia relacionando o nome das visitas para a diretoria do Dops – tudo que o repórter do JT não queria que acontecesse de forma alguma.
Em troca de algumas reportagens escritas a respeito de seu caso, estabelecido o pacto de reciprocidade, o repórter poderia entrar no ambiente proibido e visitar presos políticos sem que seu nome aparecesse na listagem da portaria.
Eureka! Era tudo o que o solerte repórter queria!
A prerrogativa possibilitou que Percival chegasse ao presumível autor do atentado terrorista cometido contra o centenário e conservador Estadão.
Os órgãos de segurança o haviam apresentado como o culpado oficial do caso que mobilizou São Paulo.
Dinotos, aliás, não era responsável por esse atentado perpetrado pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), de Pedro Lobo de Oliveira.
Percival, no interior do Dops, viu Kinjó e deixou com ele um questionário contendo várias perguntas para Dinotos, que vinha sendo bem torturado na prisão.
Mais tarde, o “Jornal da Tarde” publicou extensa reportagem, exclusiva, dando detalhes do atentado a bomba.
__ Os caras ficaram malucos para saber como é que eu havia conseguido entrevistar o homem preso – arremata o jornalista Percival de Souza.
Palavras – chave: golpe de 1964; jornalistas dos anos de chumbo.