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Grandezas e misérias de biografias no cinema – Por Bruno Yashinishi

Grandezas e misérias de biografias no cinema – Por Bruno Yashinishi

O cinema brasileiro tem apostado no lançamento de diversos filmes para o segundo semestre de 2023 e início de 2024. Isso é algo extremamente positivo para a “indústria” cinematográfica nacional, despontando como uma possível “segunda retomada” do cinema brasileiro, ainda mais significativa do que aquela dos anos 1990, pós-governo Collor (1991-1992). Isto porque atravessamos árduos anos de negligencia e descaso com a área da Cultura durante os anos do último presidente da República, que se agravaram com a pandemia da Covid-19.

Bem, parece que, conforme o adágio popular, realmente “após a tempestade vem a bonança”, pois no contexto global os espectadores estão voltando às sessões de cinema, mesmo após as adversidades políticas, sanitárias e com a proliferação dos streamings, que também despontou como grande adversário para as telonas em tempos recentes.

É interessante notar que, dentre as novas produções do cinema nacional, vários filmes são do subgênero biografias. Isto é, filmes que, independente de um gênero cinematográfico se propõem a contar histórias de personagens importantes, políticos, artistas ou esportistas, por exemplo.

A história do cinema é repleta de bons exemplos desse tipo de filme, com produções premiadas como “Amadeus” (1984), de Milos Forman, que conta a história de Mozart; “Invictus” (2009), de Clint Eastwood, sobre Nelson Mandela; “Evita” (1996), de Alan Parker sobre Evita Perón; “Tim Maia” (2014), de Mauro Lima que conta a história do grande cantor Tim Maia; e tantos outros exemplos.

Dessa vez, pelo menos quatro grandes produções biográficas são aguardadas pelo público brasileiro. “Nosso Sonho”, dirigido por Eduardo Albergaria, trata-se de uma cinebiografia da dupla Claudinho e Buchecha, fenômeno musical do funk popular nos anos 1990 e que se estendeu na carreira solo de Buchecha até os dias de hoje, mesmo após a morte de Claudinho em 2002. O filme contará a história dos artistas, desde quando se conheceram, passando pelas dificuldades do início da carreira, até o auge com seus grandes sucessos. Claudinho será interpretado por Juan Paiva e Buchecha por Lucas Koka Penteado. A previsão de estreia é para 21 de setembro.

Grande vencedor do Festival de Gramado e muito aguardado pelo público é “Mussum: o filmis”, dirigido por Silvio Guindane. Ailton Graça interpreta o músico e comediante Mussum, um dos artistas mais conhecidos do Brasil em uma cinebiografia que promete grandes emoções ao retratar um menino negro e pobre, que encontrou no samba e no humorismo as armas para enfrentar os desafios estruturais da sociedade brasileira de seu tempo e que, por sua vez, ainda persistem. Fazem parte do elenco personagens importantes da comédia televisiva e cinematográfica brasileira, como Grande Otelo, interpretado por Nando Cunha; Chico Anysio, interpretado por Vanderlei Bernardino; além, é claro, dos outros três Trapalhões: Didi (Gero Camillo), Dedé (Felipe Rocha) e Zacarias (Gustavo Nader). “Mussum” estreia em 2 de novembro.

As diretoras Dandara Ferreira e Lô Politi trarão para as telas a biografia da cantora Gal Costa em “Meu nome é Gal”. O longa-metragem será um drama comovente sobre uma das artistas mais importantes da música brasileira, tendo no elenco Sophie Charlotte como Gal, Rodrigo Lélis como Caetano Veloso e Dan Ferreira como Gilberto Gil. A previsão de estreia é para o dia 19 de outubro.

Outro filme de caráter biográfico anunciado recentemente é “O impossível não existe”, dirigido por Edson Spinello e com estreia prevista para 18 de janeiro de 2024. Esse filme contará a história da banda Mamonas Assassinas, composta por Dinho (Ruy Brissac), Júlio (Robson Lima), Bento Hinoto (Alberto Hinoto), Samuel Reoli (Adriano Tunes) e Sérgio Reoli (Rener Freitas). Sucesso meteórico nos anos 1990, Mamonas Assassinas influenciou toda uma geração com suas músicas e performances irreverentes, que lhes dava a notoriedade de ser uma das atrações mais populares no Brasil na sua época.

Enfim, parece-nos que histórias emocionantes e divertidas nos aguardam nos cinemas em tempos recentes. No entanto, é sempre bom recordar que filmes biográficos acarretam algumas questões que devem ser bastante discutidas e problematizadas. Em um texto chamado “Grandezas e misérias da biografia”, a historiadora da UNICAMP Vavy Pacheco Borges aponta a necessidade de uma atenção específica nesse gênero historiográfico, pois existem os riscos de tornar uma biografia agradável, seletiva, ou então, detestável, abjeta, dependendo de quem, pra quê e sobre quem se escreve. Como em outros textos historiográficos, há certa necessidade de equilíbrio entre a subjetividade e objetividade. No caso das biografias no cinema essa questão é ainda mais profunda.

Em um filme biográfico assistimos a vida do biografado sentados nas poltronas e munidos de um arsenal de opiniões que, ora são prévias, ora são construídas ao longo da sessão ou são construídas após o fim do filme. Aqui deve-se notar que não se tratam de personagens puramente ficcionais. Ainda que os filmes não sejam retratos fiéis da realidade, mas antes construções e representações desprovidas de neutralidade, as pessoas ali retratadas foram ou são “reais”.

Nesse sentido, tal como em uma peça de Bertolt Brecht, os espectadores da quarta parede sentem-se à vontade para sair do status de público e sentirem-se promotores, jurados e juízes. Assistir a uma cinebiografia não é condenar ou absolver a personagem, apenas compreender as interferências entre o real e o imaginário, o ficcional e o vivido. Capacidades estas que se desenvolvem com a cultura cinematográfica, que, assim esperamos, esteja florescendo no grande jardim chamado Brasil.

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