INVASÃO, AGRESSÕES E TENTATIVA DE ASSASSINATO NA ESCOLA ESTADUAL JÚLIO MASTRODOMÊNICO DE IPAUSSU (SP)
HERANÇA DOS QUASE 30 ANOS DE ADMINISTRAÇÕES DO PSDB NO ESTADO DE SÃO PAULO: FALTA DE SEGURANÇA, VIOLÊNCIA E ABANDONO DOS ESPAÇOS DE CONSTRUÇÃO DE SABERES
Por Luís Antônio Nunes da Horta
Na noite do dia 14 de dezembro, fomos surpreendidos com informações, compartilhadas em grupos de escolas e professores nas redes sociais, que alertavam que a Escola Estadual Júlio Mastrodomênico, da vizinha cidade de Ipaussu, havia sido invadida por um homem armado e que este havia atacado e vitimado gravemente duas colegas professoras que estavam exercendo suas atividades, em seus horários de trabalho e que deveriam estar protegidas, nesse local, que é de responsabilidade do governo paulista.
Recebemos a notícia, ainda, que a tragédia poderia ter sido muito maior se dois professores presentes não tivessem colocado suas vidas em risco, entrando em confronto direto com o agressor, sendo um deles mantido refém, com uma faca em seu pescoço, quando da chegada da polícia, negociação e sua prisão. A reação desses professores foi um impulso em defesa de suas vidas e dos demais colegas que se encontravam na escola, a maioria mulheres, e pode ter sido determinante para que outros não fossem feridos ou mortos.
Segundo relato, de quem acompanhou o depoimento do agressor em sua audiência de custódia ocorrida no dia seguinte, no fórum da cidade, o alvo de seu ataque seria a diretora da escola, que não se encontrava no local, e de quem alimentava rancores e mágoas, segundo seu depoimento, pela forma como era tratado por ela, quando esta era sua professora há duas décadas passadas. Os que presenciaram esse depoimento disseram que este não apresentava arrependimento pelo seu ato e que a sua intenção era mesmo a de matar a diretora e teria cumprido este intento se ela estivesse na escola. O poder judiciário manteve-o em prisão preventiva e, por enquanto, longe dos portões da escola e das ruas.
A comunidade escolar e a população ipauçuense encontram-se em choque pelo ocorrido na cidade, que tem uma população de pouco mais de 15 mil habitantes e nunca havia registrado uma ocorrência de tamanha violência dentro de suas escolas. Imaginam o que poderia ter acontecido se o agressor estivesse portando uma arma de fogo e não um simulacro nesse ataque. Quantas mortes teríamos que estar chorando hoje?
Soubemos, durante o dia, que uma das professoras havia sido operada, devido a perfuração de seus pulmões, provocada pelo ataque sofrido e que a cirurgia havia sido exitosa e encontrava-se em recuperação, assim como sua colega, que não necessitou de intervenção cirúrgica pelos ferimentos que sofreu.
As lembranças do que aconteceu na Escola Estadual Primo Bitti e em outra particular, na cidade de Aracruz no estado do Espírito Santo, são recentes e permeiam as conversas de professores e funcionários das escolas. Um também ex-aluno, munido de arma de fogo, invadiu as escolas onde estudou e tirou a vida de 3 professoras e 1 aluna, ferindo 11 outros membros das comunidades escolares atacadas. Esse fato aconteceu a menos de um mês.
Em 2019 choramos a morte de 5 alunos, uma funcionária e a professora coordenadora da escola estadual Raul Brasil na cidade de Suzano, região metropolitana de São Paulo, além de 9 outros feridos, durante a invasão e ataque promovido por dois ex-alunos munidos de arma de fogo, besta e facas. Um desses ex-alunos, ainda no espaço escolar, matou seu comparsa e suicidou-se. Ainda não temos clareza das motivações para o que fizeram, mas sabemos do clima de ódio e violência que se instalou em nossa sociedade nos últimos anos, promovidas por grupos extremistas que permeiam nossas redes sociais.
Segundo recente levantamento do Instituto Sou da Paz, nas últimas duas décadas, tivemos pelo menos 12 ataques a escolas (agora 13) promovidos por alunos ou ex-alunos dessas instituições que resultou em um grande número de mortos e feridos. Os atos de violência dentro das instituições escolares se multiplicaram nos últimos anos e não são apenas essas invasões um sinal disso. Professores e gestores compartilham suas experiências em ocorrências cotidianas entre os muros escolares. Segundo alguns, hoje é comum encontrar nas mochilas de alunos punhais, canivetes, karambits, maçaricos portáteis, entre outros objetos, que podem ou deveriam ser consideradas armas branca e coibida esse porte.
As políticas de prevenção de violência nas escolas estaduais, bem como as chamadas rondas escolares, existem apenas como propaganda em períodos eleitorais. Na prática deixaram de existir há muito tempo em nosso estado. A chamada mediação de conflitos existente e as ações do conviva-Sp (programa de melhoria da convivência e proteção escolar) são paliativos que apenas tentam ocultar os casos que ocorrem intramuros e fazer transparecer uma tranquilidade e segurança que não existe. Faltam funcionários; faltam policiamento no entorno das escolas; faltam sistemas de vigilância eficazes; faltam gestores capazes de lidar com a realidade que se impõe no universo escolar e na sociedade.
Tentamos, na tragédia de Ipaussu, atuar em conjunto com a diretoria de ensino de Ourinhos. A dirigente regional não se dispôs a isso – alegou que apenas o secretário de educação do estado poderia falar conosco. Pedimos, em contato eletrônico, que o ano letivo fosse encerrado na escola – já que faltam poucos dias para seu término e já não há a presença de alunos – e os professores, aterrorizados pelo que presenciaram ou foram vítimas direta, pudessem se afastar do local para se recuperarem. Pedimos, ainda, que fosse dado todo o suporte psicológico (de profissionais) para essa recuperação e que a escola fosse preparada para recebê-los em 2023, quem sabe com uma repaginada em seus espaços.
O que ficamos sabendo, depois, é que as ações dos representantes da secretaria de Estado, junto aos professores e funcionários, só se preocuparam em persuadi-los para que não falassem com os veículos de imprensa escrita e televisiva, que se avolumavam nos portões da escola. Não houve consolo, apenas a Lei da Mordaça sendo aplicada por esses agentes públicos. Muito ressentidos, lamentam que não receberam um abraço ou um simples aperto de mãos desses representantes e, mesmo depois de sofrerem esse grave trauma psicológico e nada lhes foi oferecido, muito pelo contrário, alguns desses educadores, no dia seguinte, tiveram que limpar os espaços tingidos pelo sangue de seus colegas e a escola retornou ao seu funcionamento normal na sexta-feira.
A maioria dos professores da escola, assim como nas demais do estado paulista, são contratados precários, os chamados “Categoria O”, que poucos direitos têm contratualmente e, se faltarem aos seus postos de trabalho, podem ser sumariamente demitidos pela administração estadual e ficarem impedidos de exercerem seu magistério. A ação da secretaria da Educação, através dos comandados pelo secretário Hubert Alquéres e da dirigente regional de ensino de Ourinhos, com esses colegas, está sendo desumana e não demonstra nenhuma empatia desses técnico-políticos com a grave ocorrência na escola.
Recebemos relatos que agora, após a redução da adrenalina em seus organismos, muitos já se dão conta dos riscos que correram e começaram, inclusive a apresentar sintomas de pânico no interior da escola, o que era previsível, mas que foram trabalhar, nesta sexta-feira, para não serem demitidos e impedidos de participar do processo de atribuição de aulas para o ano que vêm.
A Executiva da Apeoesp enviou aos seus representantes parlamentares, Mônica Seixas (do Coletivo Pretas), Carlos Giannazi e Bebel, que têm seus mandatos ligados à área da educação, os relatos e as informações da ocorrência para manifestações em suas redes sociais e no parlamento paulista. Encaminhamos, ainda, a presidenta da Apeoesp, Maria Izabel Azevedo
Noronha, esses relatos e pedido dos professores para que esta faça gestões, junto ao governo de Rodrigo Garcia, na suspensão imediata do ano letivo na escola, a disponibilização de profissionais (psicólogos) e a reforma do prédio e mobiliário que ajudaria esses professores e funcionários a retornarem no próximo ano, assim como daria alguma segurança aos pais, que acreditam que seus filhos estão protegidos dentro de nossas escolas.
Nenhuma violência pode ser explicada ou admissível no seio de nossa sociedade, muito menos em nossas escolas onde as únicas armas que dispomos e oferecemos são os livros e o conhecimento. Jamais aceitaremos o que esse agressor causou em nossos colegas educadores e, menos ainda, a falta de empatia e descaso dos representantes do Estado que, ao que parece, regulam a gravidade de uma tragédia pela quantidade de vítimas ou pela existência ou não de mortes. É um absurdo o tratamento e falta de sentimentos dispensado a eles. Colocamos a disposição desses colegas o nosso corpo jurídico para que, se entenderem necessário, buscarem o guarda-chuva das leis para se protegerem: do agressor e, inacreditavelmente, do Estado.
Luís Antonio Nunes da Horta
Coordenador Regional da Apeoesp – Ourinhos