O neoliberalismo e a submissão das individualidades
Luiz Bosco S. Machado Jr.
psicólogo e professor universitário
O neoliberalismo do século XXI se coloca como doutrina hegemônica, utilizando todos subterfúgios possíveis para se entranhar no tecido social e garantir sua naturalização e cronificação. Como um sintoma que luta por abranger todos os indivíduos, grupos e instituições, não se revela facilmente, tornando-se uma matriz de sofrimento que se
coloca na ordem do não-dito. Seus adeptos chegam a dizer que não existe neoliberalismo, mas tão somente ‘liberalismo’, produzindo confusão entre o liberalismo clássico – defensor das liberdades individuais, da democracia, da igualdade entre as pessoas – e essas múltiplas configurações do capitalismo que por hora ameaçam os mesmos valores estabelecidos pelo liberalismo clássico.
No que diz respeito a produção de subjetividades, essas configurações colocam o indivíduo como centro de suas preocupações. Pretensamente, o escopo é a garantia das liberdades individuais; contudo, o que se revela é: 1) a elevação do indivíduo como valor máximo da sociedade capitalista, sendo que seu desejo deve estar acima dos interesses das coletividades; 2) o indivíduo tem a obrigação de fruir tudo o que supostamente é oferecido pela sociedade capitalista; 3) caso não o faça, ele é o único culpado por não lográ-lo.
Esse discurso, que simultaneamente nega a alteridade e as múltiplas individuações possíveis, vem engajado em uma negação das responsabilidades do sistema capitalista no que diz respeito a quase totalidade das pessoas que não cumprem com esses imperativos e que podem, até mesmo, ter suas vidas ameaçadas por não fazê-lo.
Alia-se, também, à luta contra instituições que possam potencializar coletividades ou dar margem a possibilidades de existência fora das estritas exigências do capitalismo contemporâneo: atacam o Estado, não em sua totalidade,
mas nas instituições que buscam garantir o bem-estar e a promoção social (Saúde, Educação, Previdência e Assistência Social). No caso brasileiro, constatamos a peculiaridade de que apoiam a privatização e venda a grupos estrangeiros de setores sempre considerados estratégicos pelos estados contemporâneos, como a extração de petróleo, a produção de energia elétrica, a extraçãõ de minérios, entre outros.
A luta contra toda forma de sustentação coletiva atinge o indivíduo em suas necessidades concretas e nas suas possibilidades de uma subjetividade distinta da imposta pela meritocracia, ao descrever toda e qualquer forma de
coletivismo como uma adesão a um certo ‘comunismo’, descrito como parasita, preguiçoso, corrupto etc.
Bombeardeado por discursos que o convencem a gozar ininterruptamente através do consumo e da ascensão social e confrontado pela constatação de que isso é impossível, pois restrito a pouquíssimos, o indivíduo sofre em múltiplas formas, sem ter clareza da causa e do funcionamento de seu sofrimento. Buscando responsáveis por isso, e sem enxergar a ideologia hegemônica neoliberal, pode acabar caindo no sofrimento psicopatológico e/ou em engajamentos políticos, sociais e subjetivos de cunho fascistóide.
Esse texto é parte 3 de 3 da série “O assujeitamento de subjetividades na realidade brasileira”, constituída de resumos oriundos de uma mesa-redonda de mesmo nome, realizada por Diogo Almeida, Luiz Bosco e Maurício Saliba, em 2018.