O nosso gostinho pelo poder
Nós, brasileiros, adoramos nos sentir superiores aos outros, mesmo se essa superioridade vier de algo medíocre e fugaz. Damos carteirada, achamos chique pagar caro por mercadorias e serviços, infundadamente preferimos serviços privados aos públicos, exigimos a alcunha de “doutor” por qualquer coisa, endividamo-nos por um carro zero ou por roupas “de grife”…
Falarmos de consciência de classe não é fácil em nenhum lugar, pois a ideologia torna invisíveis os conflitos de interesses e os privilégios daqueles que realmente detém o poder. Aqui no Brasil, isso se concretiza na necessidade de lutar contra o prazer em se sentir superior, mesmo quando se trata de uma diferença insignificante. Podemos falar do pequeno poder do segurança de mercado, da pretensa superioridade do dono de um comércio ou da sensação de ser um privilegiado por andar sem máscara.
Quando desrespeitamos uma lei ou uma convenção, sentimo-nos acima da coletividade, especiais como um Dom João VI que tudo pode. O bom senso perde a força diante do prazer que sentimos aos nos colocarmos em uma posição de destaque, de “patrão”, aquele que não precisa respeitar nada, pois tem o poder nas mãos.
Sempre insisto em falar da clivagem segundo Wilhelm Reich (1897-1957), porque ela é facilmente constatável aqui. Eu não me vejo como pobre trabalhador se tenho carteira assinada ou se sou um profissional liberal. Pobre seria apenas aquele completo miserável. Não me identifico com uma coletividade chamada “classe trabalhadora”, pois quero ser “patrão”. O quanto antes e o quanto mais eu puder me distanciar daquela identidade, melhor. Nem que para isso eu tenha que comprar roupas falsificadas, entrar no vermelho para ir em baladas caras, ou pegar coronavírus por ir aos bares – afinal, eu sou superior e vale a pena morrer para provar isso.