O partido mãe faz 100 anos – Parte I
Por João Teixeira
A imagem histórica tem sido reverenciada como um mantra sagrado.
Nela estão os personagens que, nos dias 25, 26 e 27 de março de 1922, há exatamente um século, ocorreu em Niterói (RJ) o congresso de fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
O PCB, nascido sob o influxo da Revolução Bolchevique e vinculado ao Movimento Comunista Internacional (MCI), concebeu o instantâneo imortal que retrata os apóstolos de um novo credo, os delegados representantes dos grupos comunistas brasileiros.
Abílio de Negrete, barbeiro; Astrojildo Pereira, jornalista; Cristiano Cordeiro, funcionário; Hermogenio Silva, eletricista; João da Costa Pimenta, grafico; Joaquim Barbosa, alfaiate; José Elias da Silva, funcionário; Luís Peres, vassoureiro; e Manoel Cerdon, alfaiate.
Destes nove militantes, os apóstolos da fé materialista, 8 eram anarquistas e 1 socialista.
Esta formação variada, de gente humilde exercendo profissões extintas, representa um importante documento da composição social brasileira no início do século XX.
Todos discutiram – e aprovaram por unanimidade – as 21 condições para a adesão á Internacional Comunista.
Os estatutos, baseados nos do PC argentino, foram elaborados, discutidos e provisoriamente aprovados.
“O Partido Comunista, seção brasileira da Internacional Comunista, tinha por fim promover o entendimento, a ação internacional dos trabalhadores, e a organização política do proletariado em partido de classe, para a conquista do poder e a consequente transformação política e econômica da sociedade capitalista em sociedade comunista”.
A União da Juventude Comunista (UJC) foi criada 3 anos mais tarde.
Desta forma, os criadores e mantenedores do novo Partido – uma seita secreta, clandestina, desde sempre perseguir a pelo poder -, fundamentado no materialismo dialético de Karl Marx, juntaram adoradores de um Deus coletivo – o Povo.
“O Povo é meu Deus”.
Os apóstolos militantes anônimos levantaram um altar no qual rezaram cientistas, artistas, professores, intelectuais progressistas, militares, a nata da inteligência brasileira.
O PCB secular, que teve apenas 2 anos de existência legal (1945/47), foi a árvore frondosa de raízes profundas que rendeu frutos, esperança e muitos galhos, o Partido-mãe de todas as demais organizações marxistas progressistas que nasceram a partir dele.
O PCB criou as sementes das origens, cisões e propostas singulares de uma miríade de organizações, cada qual com sua própria linha, todas brotadas no solo fértil do PCB.
As ideias de Marx surgiram, pela primeira vez no Brasil, nas páginas do jornal “O seis de março” (número 17), em 25 de março de 1872.
O movimento operário na Europa estava dividido em áreas de influencia: nos países do norte, Alemanha, Inglaterra, Holanda, os socialistas; no sul, Portugal, Espanha, Itália e França, predominavam os anarquistas.
Estes se enraizaram fortemente no movimento trabalhador e sindical no Brasil.
Os fundadores do PCB, apóstolos fervorosos que renunciaram á existência própria sacrificando-se e correndo todos os riscos em prol do Partido, teceram uma nova roupagem política e implantaram nova identidade cultural nos trópicos.
Assim como, na área cultural, ocorria com a Semana de Arte Moderna, em São Paulo.
Os comunistas criaram e mantiveram a superestrutura ideológica, política, organizativa e sindical do progressismo brasileiro no século passado.
Estávamos nos tempos do Brasil rural, quando éramos apenas um “fazendáo dos ingleses”, na expressão de Therezinha Zerbini, fundadora do Movimento Brasileiro pela Anistia, os comunistas e anarquistas lutavam por justiça, igualdade social e direitos civis e melhores condições de vida para os trabalhadores.
Foi a época de uma imprensa operária pujante e de títulos sugestivos: “A plebe”; “A obra”; “Voz do povo”: “Movimento Comunista”, órgão oficial do PCB.
A imprensa operária, de comunistas, socialistas e anarquistas, usando linguagem simples, direta, de conteúdo repetitivo, foi extremamente rica.
Nos períodos de declínio do Movimento Operário, os jornais tendiam a ser instrumentos de debates teóricos, abstratos, desligados da população.
As discussões, cisões e rompimentos eram comuns. A pulverização das oposições está em nossas raízes. Os comunistas – ontem como hoje – defendiam a tese da Frente Única da III Internacional, a União das forças trabalhistas em um só bloco para enfrentar a burguesia; os anarquistas, a maioria italianos, portugueses e espanhóis imigrantes, preferiam a liberdade de ação.
O PCB acusava os anarquistas de revisionistas, contra-revolucionários. Nunca se entenderam.
O sumo sacerdote do PCB chamava -se Luiz Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”, epíteto cunhado pelo escritor Jorge Amado, um capitão da engenharia militar, ainda hoje considerado pequeno-burguês anarquista.
A maioria dos dirigentes eram líderes tenentistas egressos das rebelióes de 1922, 1924, 1925 e 1927, esta última transformada na Coluna Miguel Costa/Prestes.
Tobias Barreto foi o primeiro intelectual a analisar Marx no Brasil, em 1883.
O jornalista e escritor (“Os sertóes”) Euclides da Cunha, sem ser marxista ou socialista, igualmente.
O médico sergipano Silvério Fontes é considerado o primeiro marxista brasileiro a militar politicamente. Em 1885, fundou o Centro Socialista de Santos e o quinzenário “A questão social”.
Os anarco-sindicalistas (sindicalistas revolucionários ou libertários) romperam com a clássica visão anarquista – toda forma se governo usa a força e a doutrinação esmagando as liberdades humanas – e implantaram a organização sindical nos moldes como a conhecemos hoje.
“E Deus (o Povo) limpará de seus olhos toda a lágrima”.
Esse versículo do Apocalipse, consolador, confortador, cai como uma luva nos apóstolos adeptos da fé materialista, o PCB da foice e do martelo que aterrorizava as classes dominantes, o Partido-máe da utopia igualitária que juntava os trabalhadores urbanos e os lavradores dos grotóes.
Era o lenitivo e a esperança para o sofrimento humano neste vale de lágrimas. Ao invés do gozo eterno no Céu, lutavam pelo fim do trabalho escravo, as longas jornadas de trabalho (até 16 horas por dia), o trabalho noturno de mulheres e crianças, a insalubridade e a insegurança em troca de salários baixíssimos, a miséria. Pelo fim da “questão social” como caso de polícia.
A infindável luta do povo brasileiro permanece mais atual do que nunca.
Palavras-chave: PCB; comunismo; movimento comunista internacional.