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O Partido-mãe faz 100 anos – parte II

O Partido-mãe faz 100 anos – parte II

Por João Teixeira

O reformismo pacifista dos “velhos comunistas” (PCB, de orientação moscovita) sempre foi alvo de toda sorte de críticas por parte dos “novos conunistas” (cubanos e chineses).
Principalmente por sua estrutura burocrática e a inércia demonstrada frente ao golpe civil-militar (1964/85).
O distanciamento histórico – o golpe completa 58 anos neste 31 de março de 2022 – possibilita uma reflexão crítica mais isenta dos fatos
O sol dissipa as brumas da tempestade que exaltam os ánimos e incendeiam as paixões.
A História política do Brasil é tendenciosa, não só porque é escrita pelos vencedores, pelos donos do poder, de cima para baixo, mas também pela miopia partidária e faraisaica das oposições.
A exemplo da luta religiosa entre os cristãos católicos de Roma e os protestantes, desde a contrarreforma do monge agostiniano Martinho Lutero (1460), nossa tradição política é narrada de forma enviesada.
“A parte da verdade que cada um enxerga”.
A luta pelo poder é desigual e desleal. O autoritarismo, o apadrinhamento, o orgulho e a vaidade, além do gauchismo desvairado, compõem a parte tomada com o o todo
A realidade é vista como cada agrupamento gostaria que fosse, encaixada de tal maneira como cada qual acredita, numa projeção subjetiva e deletéria para as ações, como na visão distorcida dos fanáticos religiosos.
A pureza messiánica do voluntarismo e do idealismo juvenil.
Os “velhos” (PCB) e os “novos” comunistas (AP, Polop, PC do B, ALN, VPR, PCBR, MR-8, MAR, PRC etc.) travaram uma luta política e ideológica sem quartel.
Cada organização á sua maneira – todas em nome do socialismo.
O revolucionário Pedro Viegas, em “Trajetória Rebelde” (Ed. Inverta, 2005) sintetizou assim a pulverização de siglas:
“…da nascente á desembocadura, as águas que corriam tinham como sabor predominante o nacionalismo – embora o socialismo como meta contasse em todos programas (…) socialismo, para o marxismo – e todas as lideranças que se diziam marxistas – não existe como sistema e sim como etapa de transição entre capitalismo e comunismo, com duração imprevisível …” (pg 154).
O PCB foi a raiz de todas organizações resistentes á ditadura. O tronco da raiz da árvore com galhos frondosos, uns maiores, outros menores, todos em busca da utopia por caminhos diversos.
Pacifistas, reformistas e militaristas radicais, com análises e caminhos próprios, diante do complexo quadro econômico, político e social cambiante no Brasil-continente.
Buscavam o socialismo á moda de cada organização.
A esquerda armada, estalinista, dogmática e autoritária, trazia o ranço do mandonismo, o elitismo, a discriminação social.
A sociedade quase de castas, estamental, refletia-se no interior de cada uma delas.
A cara da Guerra-Fria. Há exatamente um século, em 1922, despontava uma figura emblemática do Movimento Comunista Internacional (MCI), Stálin.
Stálin assumiu com plenos poderes a secretaria-geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e (de) formou a mentalidade de gerações de comunistas.
Após a realização do XI Congresso, com a Rússia atravessando as piores condições possíveis, Stálin usou de todas prerrogativas para se consolidar no poder na Rússia.
Lênin apontava seus desvios: “… nem sempre sabia como usar esse poder com controle suficiente”.
Em 4 de janeiro de 1923, Lênin classificou Stálin como “…demasiado bruto”, e propunha sua substituição do cargo por alguém “mais paciente, mais leal, mais delicado e mais atencioso com os camaradas, menos caprichoso”.
O resultado foi o genocídio, os “gulags”, o extermínio frio e cruel dos adversários do déspota.
Marighella chorou uma semana ao saber dos crimes de Stálin, em 1956.
O PCB, entre perseguições policiais, cisões, farsas, contrafacoes, expulsões e revoltas – principalmente a de 1935, na ascensão do fascismo, da qual o ditador Getúlio Vargas tinha pleno conhecimento graças á atuação de Johnny de Graaf, espião do M-16 inglês- escreveu sua história de lutas.
Getúlio, maquiavélico, deixou a revolta comunista correr solta, perseguiu, prendeu e torturou milhares de opositores e fechou o Congresso em 1937.
O PCB obedecia a Prestes, o poderoso secretario-geral fiel a Moscou, o sumo sacerdote do credo libertador.
Visto com reverência, símbolo do comunismo e figura maior das oposições no Brasil do século XX, Prestes era adorado como um totem pelos comunistas.
“Digno és, Senhor, de receber glória e a glória verdadeira, não a glória mundana, de criaturas que aplaudem hoje e apupam amanhá…”
Prestes, único senador comunista num Senado dominado por bacharéis, fazendeiros, comerciantes, banqueiros e industriais, nossa elite conservadora e reacionária, discursava em alto e bom som:
“Liberdade é liberdade, qualquer adjetivo que se acrescente a esta palavra é limitação, é negação da liberdade” (Luiz Carlos Prestes, o Constituinte, o senador, 1946/48).
Prestes: “… os graves problemas do nosso povo jamais serão resolvidos por um salvador, pela ação isolada de um indivíduo, por um só partido ou por uma só classe social” (pg 611).
“Quanto pior, melhor” – lema dos anarquistas – era combatido pelo PCB.
Mesmo assim, vencido o nazi-fascismo, o Brasil, membro das Nações Unidas, era o único país a manter o PC ilegal, ao contrário da França, dos EUA, Argentina, Peru, Chile, Bolívia e México.
Em 23 anos de clandestinidade, duramente reprimido, o PCB tinha 3 mil membros desorganizados; na curta legalidade passou a ter mais de 200 mil adeptos.
No Senado, Prestes, algo irônico, chegou a solicitar um dicionário para debater com seus pares, para conferir o sentido exato das palavras democracia, liberdade, traidor e imperialismo, “porque nossos dicionários divergem fundamentalmente”.
“Nossos pontos de vista filosóficos são diametralmente opostos”.
A desestalinizacao, em 1957, levou o comitê Central a afastar dirigentes que não aceitavam mudanças.
O complemento político desta medida foi a aprovação, em março de 1958, da Resolução Política que sepultou o radicalismo da Declaração de Agosto de 1950.
“A Revolução no Brasil não é ainda socialista, mas antifeudal, nacional e democrática. No plano nacional admite -se a contradição entre o proletariado e a burguesia. Mas essa contradição não exige uma solução radical na etapa atual. Nas condições presentes em nosso país, o desenvolvimento capitalista corresponde aos interesses do proletariado e de todo o povo”.
Diante desta análise, o PCB propunha “uma Frente Única e a luta por um governo nacionalista e democrático”.
“… O caminho pacífico da Revolução Brasileira (…) pela pressão pacífica das massas populares e de todas as correntes nacionalistas, dentro e fora do Parlamento, no sentido de fortalecer e ampliar o setor nacionalista do atual governo (…) através da Vitória da Frente Única nacionalista e democrática nos pleitos eleitorais e pela resistência das massas populares unidas aos setores nacionalistas do Parlamento, das Forças Armadas e do Governo”.
“Estas posições refletem a orientação da nova política adotada no XX Congresso do PCUS”.
Este foi o quadro político internacional em 1964. Para Kruschov, o latifúndio era – e continua sendo – o maior apoio do capitalismo no Brasil. Não é o único, mas o mais perigoso. Áquela altura, o PCB devia reforçar o movimento sindical. O PCUS era contra “ações sectárias” de alguns comunistas, “sempre uma aventura”.
O setor militar do PCB – Antimil – tinha cerca de 600 fardados entre oficiais, suboficiais e soldados nos quartéis do país.
O Partido calculava que haviam 10% dos oficiais nos quartéis controlados ou sob a influência do prestismo.
Os EUA haviam estabelecido um cordão sanitário em todo continente para isolá-lo da Revolução Cubana (1959) e não se podia fazer nada contra isso, Moscou avisou a Prestes.
O governo soviético foi avisado pelos EUA de que o Brasil era área de influência inegociável e iria intervir militarmente se houvesse resistência ao golpe.
Prestes foi instruído por Moscou para não reagir.
O golpe foi anunciado e os comunistas – muitos se queixavam de não haver enfrentamento – sabiam que eram favas contadas.
O jogo de forças era desigual. Em 1964, o Exército tinha 10 mil oficiais; destes 1000 eram de esquerda, reformistas; os comunistas não chegavam a 150, entre oficiais, suboficiais, cabos e soldados. A direita, portanto, tinha 90% do corpo de oficiais do Exercito.
Na análise fria dos números, a decisão de não reagir foi acertada, explicou o secretário-geral, Salomão Malina:
“Os golpistas conseguiram reverter dentro dos quartéis o trabalho dos nacionalistas. Venceram. Estávamos politicamente derrotados e uma tentativa de resistência seria um banho de sangue. Quem poderia legalmente ordenar um contragolpe e tinha autoridade para fazê-lo era Goulart. Não seria Prestes quem daria a ordem para meia dúzia de oficiais comunistas. Justificaria uma repressão em massa. Não resistir foi correto. Os generais Jurandir de Bizarria Mamede, Castelo Branco e Carlos Meira Mattos eram patriotas. Disse isso a Prestes após o golpe”.

Palavras-chave: golpe de 1964; PCB; Luiz Carlos Prestes.

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