Coluna: Os Antípodas — O poder das mães para mudar o mundo
Alan Mortean
Um mundo de autoconhecimento, amor e conexão entre os seres é possível? Ou estamos fadados, como humanidade, ao egoísmo e à violência?
Segundo Laura Gutman, psicoterapeuta argentina, especializada em temas de família e maternidade, autora de vários livros (alguns traduzidos para o português), está nas mães o poder para mudar o mundo.
Laura é uma dessas pessoas especiais que falam coisas que mudam a maneira como vemos o mundo. Fomos apresentados a ela por uma linda amiga, que nos deu de presente o livro “A maternidade e o encontro com a própria sombra”, livro que devoramos juntos noite após noite enquanto esperávamos a chegada da Aira, e que nos levou a muitas reflexões.
Este texto é resultado de uma compilação de falas da primeira parte de uma série de documentários chamados “O poder das mães para mudar o mundo”, produzido por Laura Gutman, e disponível com legendas em português aqui: https://www.youtube.com/watch?v=TKefN3-C1tc. Nosso objetivo com este texto é colaborar com a divulgação do documentário e das ideias de Laura no Brasil. Boa leitura e reflexão!
Ter um bebê mexe profundamente com o psicológico de uma mulher, e possibilita um contato com experiências “esquecidas” em seu subconsciente, o que pode ser enlouquecedor. O puerpério (também chamado quarentena ou resguardo) é um momento de muita insegurança emocional, e, ao mesmo tempo, é o melhor momento para colocar-se em contato com esse lugar infantil, dolorido, abandonado, e desesperado que tivemos quando bebês.
Cada mãe que possa conectar-se amorosamente, de verdade, com o filho, é uma semente para o futuro da humanidade. Na verdade, o que temos que fazer é voltar ao amor, pois, mesmo se uma mãe não foi amada, ela é capaz de amar uma criança.
Então pensemos que nos primeiros nove meses de vida, nós, bebês, passamos por uma espécie de gestação extrauterina, onde necessitaríamos um nível de conforto muito parecido ao que tínhamos dentro do útero da mãe, isto é, contato permanente, movimento permanente, alimento permanente, conforto permanente, calor permanente, abrigo permanente. Permanente é permanente, não é a cada três horas. É permanente, são as 24 horas. Não é “Agora durma”, “tem que chorar”, “fique no berço”, “espera”.
Ser bebê é muito difícil, não há nenhum outro período da vida que seja mais complexo que a etapa de ser bebê. O que a criança necessita é uma mãe conectada com suas próprias emoções e com a vivência de sua própria infância para poder entender o que está acontecendo com o bebê. Esta é a necessidade que trazemos todos os bebês: ser amados incondicionalmente.
Os bebês são uma bomba com um nível de potência, de capacidade de chorar, de pedir, de mamar, impressionante. E são muito inteligentes nesse sentido. Quando querem comer, comem. Quando querem dormir, dormem. Tudo em um tempo muito biológico, muito natural. Então se, nós, como mães, podemos seguir esse tempo e não estarmos ocupadas com “o que me recomendaram”, ou “com o que me disse o médico”, “com o que me disse meu marido, com o que me disse minha sogra” (pois todos temos uma opinião a dar), podemos entrar no ritmo do bebê e começar a conectar-nos e a sentir isso que está sentindo o bebê.
E como o bebê avisa à mãe que precisa dela? Através do choro. Aviso à minha mãe que estou em perigo, aviso à minha mãe que tenho fome, aviso à minha mãe que há predadores, aviso à minha mãe que ela tem que me proteger. Se eu choro, choro, choro, choro e a mamãe não vem, é um desastre! Agora… chorei uma, duas, três vezes, chorei duas noites, três noites inteiras… O que entendi eu, bebê, que tenho sete dias? Ou quinze dias? Não, nem vale a pena que eu chore. Então, que faço? Bom, esperarei, me adaptarei, me deprimirei…
Este nível de dor na primeira infância, Laura se atreve a chamar de duas maneiras: Crueldade, que é a crueldade de todos nós como seres humanos, e Violência, que é o que necessitamos todo o tempo e perpetuamos de diferentes maneiras na humanidade, desde o grau mais baixo até o mais alto: desde bater numa criança até brigarmos na rua, ou apoiar o pensamento de que “bandido bom é bandido morto”. Não importa, são formatos desde o individual até o coletivo que, na verdade, sempre são analogias da mesma violência.
E o egoísmo, onde ele nasce? Pois somos basicamente egoístas em tudo. Vamos e queremos agarrar tudo para nós mesmos. O egoísmo nasce justamente no desamor na primeira infância. Pois, se eu não recebo o que naturalmente tinha que receber porque sim, porque nasci, cada vez que aparece algo, eu pego todas essas migalhas para mim. Porque tenho a experiência de que em qualquer momento me roubarão.
A maior das violências qual é? Depredar, violar a criatura mais frágil, que é o bebê que nasce. Ou seja, nós estamos, acredito, gerando guerreiros, empreendedores, pessoas que não sintam compaixão pelo outro, pessoas que necessitam salvar-se primeiro, e que sejam mais guerreiros que solidários, mais empreendedores que companheiros.
Se nós colocamos a maior ênfase e a maior violência na depredação de nossa prole, não temos futuro.
Tudo isso está inserido num contexto de civilização patriarcal, ou seja, onde o gênero masculino ocupa o lugar de maior importância. A civilização patriarcal é sustentada todos os dias por nós, e basicamente pelas mulheres. Quem não conhece mulheres com atitudes machistas? Temos cinco, seis mil anos de civilização patriarcal. Não temos quase registros históricos nem antropológicos de civilizações não patriarcais. Então cremos que não existem outras formas de viver, e que o ser humano é assim.
Está em nossas mãos que estas coisas comecem a mudar na humanidade, que nós, mulheres, voltemos a nosso lugar instintivo. Para isso, é essencial o autoconhecimento, ter a coragem e a força necessárias para entrar em contato com nossas sombras.
Para quem quiser saber mais, recomendamos que assistam o documentário e busquem pelos livros e cursos de Laura. Inclusive estão abertas as inscrições para o primeiro curso de Laura em português.
Site oficial dela: www.lauragutman.com.ar/
Curso em português: animalespiritual.com/academia/laura-gutman-em-portugues/
Até a próxima!!