Que tipo de jornalismo chama pessoas em situação de rua de “desocupadas”?
Não é a primeira vez que Ourinhos vê uma publicação infeliz da repórter Renata Tibúrcio. Desta vez, em uma “matéria” sobre pessoas em situação de rua, ela foi ainda mais longe; agrediu princípios éticos, humanos e destruiu, triturou e incinerou todos os princípios jornalísticos.
Este não será um texto comum às minhas produções sobre Ourinhos. Hoje, precisarei exprimir o meu posicionamento pessoal acerca de um ocorrido na cidade, da falta de humanidade e da deturpação do exercício jornalístico por quem se autodenomina “jornalista”.
Com o mínimo de respeito à dignidade humana, a situação, retratada nas fotos da publicação, traz um sentimento de desamparo e tristeza e também de indignação, tanto com as autoridades, quanto com a sociedade.
Porém, na publicação da “repórter” Renata Tibúrcio, os cinco parágrafos que legendam as fotos conseguiram me surpreender pela desumana inversão de papéis: os moradores invisíveis, sem perspectiva, desamparados, que passam fome, frio e dormem no chão duro, não eram as vítimas, mas sim, os vilões da narrativa.
De acordo com a “matéria” de Renata, a população de Ourinhos está “assustada” com a permanência dos moradores na praça. Mas, o sentimento negativo não é pela miséria enfrentada por quem sobrevive ali e, sim, pela aversão àquelas pessoas que sub-existem ali.
Nós, produtores de texto, estamos sempre na busca de sinônimos e pronomes para não repetirmos demais as palavras. Já os adjetivos são quase proibidos em notícias. No entanto, na “notícia” de Renata, sem medo de ofender princípios textuais e jornalísticos ou seres humanos, foi escolhido um adjetivo: “desocupados“.
Ainda, o recorte da “matéria” foi pautado em: “Como as pessoas se sentem incomodadas, ao serem interrompidas e ofendidas, por quem mora na praça central da cidade e pede uma moeda”.
Mas, quem pede a moeda e mora na rua, como se sente? Para Renata, “desocupado”.
Os motivos para pessoas irem para as ruas são complexos e diversos, envolvendo crises de desemprego, depressão profunda, miséria, dependência química, violência sexual e doméstica, etc — todos problemas que envolvem a falta de amparo e cuidado social e médico do Estado, da família e da sociedade.
O jornalista é o interlocutor do povo. O exercício do jornalismo envolve mostrar todas as versões e esmiuçar as problemáticas, não resumi-las a “desocupação”. Além disso, o nosso maior compromisso é o de dar voz para quem é silenciado.
Tudo isso não foi feito. Não é difícil ver.
A repórter não sentou e conversou com alguém que estava lá na praça dormindo e comendo no chão, não cobrou nenhuma autoridade e nem estudou o tema. Para a publicação no Facebook, apenas fotografou e, em cinco parágrafos miseráveis, derramou seus julgamentos, sem sensibilidade, sem dar nome às personagens e sem diálogo algum.
Isso, nem de longe, é jornalismo.
Há alguns anos, em Ourinhos, não só a Renata Tibúrcio, mas também o Repórter na Rua, o Ourinhos Notícias e outros, vivem assim: em um palanque alcançado com “reportagens” sem seguir o passo a passo da profissão, de textos mal redigidos, de entrevistas tendenciosas, de silenciamento da população, de “puxa-saquismos” à Polícia Militar, à Prefeitura e a outros “peixes grandes” da cidade. E claro, com a renda da venda de anúncios para as marcas e pessoas que se dispõem a comprar.
É a terceira matéria do Jornal Contratempo questionando o jornalismo de Ourinhos. As duas anteriores foram sobre uma manchete que debochava de uma tentativa de suicídio e a outra que comemorava a morte de um adolescente pela Polícia Militar de Ourinhos, ambas em 2018. Essas não foram as únicas encontradas, houve outras “passadas em branco”.
Sobre a “reportagem” dos moradores da praça, além do nosso jornal, a população de Ourinhos, em mais de 500 comentários, demonstrou indignação com a publicação da “jornalista” — que não merece o título nem com as aspas.
Depois do ocorrido e de refletir sobre a “colega de profissão”, assumo que, por ainda não ter notado e encontrado tempo para sentar e conversar com aquelas pessoas da praça, me sinto “menos jornalista” e gostaria de poder ir lá agora mesmo.
Outra coisa que eu também gostaria de saber é como a Renata Tibúrcio se sente. Queria a sua versão da história. Tenho o telefone dela e chamei-a, mas ela não retornou ainda.
E confesso: nunca achei que me ocuparia com um texto assim ou tentaria entrevistar a Renata. Espero não precisar novamente.