SÉRGIO NUNES: UM GÊNIO TEATRAL, UMA FIGURA “INSÓLIDA”
Sérgio Nunes Faria, falecido em 2008, aos 59 anos, esteve envolvido com teatro desde a adolescência, tendo sido fundador de um grupo teatral em Ourinhos, no final dos anos 1960 – Grupo de Teatro Amador de Ourinhos – o GRUTAO.
Em agosto de 1968, esse grupo participou do Festival de Teatro Amador do Estado, realizado na cidade de Botucatu, sagrando-se vencedor entre os seis grupos concorrentes, na fase eliminatória, com a apresentação da peça Arena conta Zumbi.O grupo ourinhense levou 6 das 9 premiações:espetáculo, direção, ator, ator coadjuvante masculino, figurino e cenário. A direção foi de Sérgio Nunes
Na adolescência estudou no seminário de Santa Cruz do Rio Pardo. A mãe queria que Sérgio Nunes seguisse o sacerdócio, mas ele desistiu logo.
Durante três anos, foi repórter do jornal A Voz da Terra, de Assis, mas já nesse período coordenou o setor de Cultura de Assis, onde ficou de 1982 a 1987. Ainda ocupou por dois anos o cargo de diretor de cultura da Fundação Assisense de Cultura.
Em Ourinhos, Sérgio Nunes também saiu da cidade devido à ousadia de apresentar uma peça no Colégio Santo Antônio, em que uma atriz atirava um absorvente embebecido de metiolate para demonstrar a menstruação e dizia que tinha perdido a virgindade. Um tema tabu numa escola dirigida por freiras, que provocou polêmica e o afastamento do diretor de Ourinhos. “Ele sempre esteve à frente de seu tempo”, lembra a secretária de Cultura Neusa Fleury Moraes, que conviveu com a fase artística do diretor a partir de 1993.
Depois de um período em São Paulo, Sérgio Nunes participou do projeto Rondon, que levava estudantes universitários ao Amazonas.
Lá ele aprendeu artesanato e os costumes indígenas. Ao longo de sua vida, usou dessa experiência na cenografia do teatro e nas decorações.
Não chegou a completar os cursos de letras e filosofia entre 1970 e 1976, na Unesp de Assis e artes dramáticas na USP em 1977, mas tinha uma cultura adquirida lendo os clássicos da literatura universal e brasileira.
A sua contribuição à cultura de Ourinhos foi grande. Antes de se destacar no teatro, o diretor estudou em seminário e cursou letras e filosofia.
No período da ditadura militar, esteve no teatro Ruth Escobar quando da apresentação do musical “Roda Viva”, de Chico Buarque, e da Feira Paulista de Opinião.
Em um depoimento recente para o documentário em homenagem a Chico Buarque no 8º Festival de Música, Nunes lembrou que estava na sala Gil Vicente, porão do Ruth Escobar, quando ouviu o tumulto.
DITADURA MILITAR
No intervalo da apresentação, ficou sabendo que a sala foi invadida pelos membros do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), extremistas de direita e filhos de oficiais da Marinha e da Aeronáutica, que invadiram o local para espancar artistas. Esse é um dos trechos mais negros pós 1964, o movimento militar que derrubou um governo civil e instituiu a ditadura militar.
“O espetáculo fazia paródia ao movimento militar. O pessoal começou a gritar e agredir os atores”, lembrou Sérgio Nunes em uma das últimas entrevistas ainda em vida.
O presidente do “Grupo Tortura Nunca Mais” no Paraná, Antonio Narciso Pires de Oliveira, conheceu Sérgio Nunes em 1970, quando estava foragido e vivia na clandestinidade.
Nunes abrigou o militante no período da ditadura. “Arriscou a sua vida por mim.O Sérgio me conheceu como Valter Marcelo Faiçal, meu nome na fuga e na clandestinidade. Falsifiquei meus documentos a partir de uma certidão de nascimento do Sérgio Nunes”, relatou Antonio Narciso num relato por e-mail.
Triste ao saber da morte de Sérgio Nunes, Antonio Oliveira disse que Sérgio Nunes foi um dos melhores seres humanos que conheceu em sua vida. “Nessa época de clandestinidade, escondido na casa de Sérgio, participei de uma peça de teatro com ele”, lembrou.
Na opinião dele, Nunes foi um “gênio teatral”. Ele lembra da peça apresentada no período que era uma ousadia para a época, quando o teatro foi interditado por forças policiais.
MORTE
Ao som de dois trompetes do dobrado “Dois Corações”, foi enterrado na manhã de terça-feira, no cemitério municipal de Ourinhos, o corpo de Sérgio Nunes Faria, 59. A comunidade cultural perdeu o mais importante diretor de teatro e de artes plásticas do município.
O diretor foi encontrado caído no quarto na tarde de segunda-feira, em sua casa na rua Jacinto Sá, mas provavelmente morreu no sábado. Com vários problemas de saúde, Nunes tinha anemia profunda provocada por um câncer no rim e hepatite.
HOMENAGEM
Durante o Festival de Música, o maestro Gil Jardim foi responsável pela última homenagem em vida a Sérgio Nunes. Parece até que foi o prenúncio de sua morte. Jardim interrompeu a apresentação e pediu para a platéia aplaudir o diretor, porque a cidade devia agradecer “por ter uma pessoa tão inteligente e importante para o teatro”. O maestro contou que adquiriu o gosto pela música lendo poemas e entendendo a sonoridade das palavras.
Sérgio Nunes fez um curso de folclore no Festival de Música porque queria inovar no Natal deste ano. Entusiasta da cultura brasileira, dizia que estava cansado do jingle bell e da influência estrangeira. Em dezembro do ano passado, ele usou restos de papéis para fazer painéis em relevo que recriavam os mistérios gozosos em pedra.
Levou o teatro à periferia embaixo de lona, no mesmo estilo de picadeiro de circo.
Por influência de Sérgio Nunes, Neusa Fleury disse que começou a valorizar a prosa de Guimarães Rosa. Os clássicos do teatro foram encenados e levados aos palcos das escolas públicas e estaduais. O antigo armazém da estação ferroviária transformou-se no estúdio do Soarte. Ali Sérgio Nunes ensaiava atores, num espaço que ficou triste com sua morte nesta semana.
FONTE: UOL / Acessado: http://www2.uol.com.br/debate/1427/regiao/regiao10a.htm e http://www2.uol.com.br/debate/1427/regiao/regiao10.htm
DOCUMENTÁRIO: Sérgio Nunes – Hiperbolismos e Aliterações / Acessado em https://www.youtube.com/watch?v=93l3u6ARJKg
BLOG: MEMÓRIAS OURINHENSES: https://ourinhos.blogspot.com/2017/01/sergio-nunes-faria-1949-2008.html