Um espectro ronda o Brasil: Karnal, Moro e a volta dos que não foram
Por Filipe Luiz dos Santos Rosa
Peço licença aos leitores para fugir momentaneamente do tema proposto para essa coluna e trazer uma reflexão que vem me inquietando nos últimos dias:
Nas últimas semanas observamos as redes sociais, especialmente nas páginas e grupos de esquerda, sendo tomadas de assalto pela polêmica ao redor da figura do “historiador pop-star” Leandro Karnal que, poucos dias após ser pesadamente criticado por partidos e movimentos de esquerda por publicar em sua coluna no jornal Estadão um texto com pesadas críticas ao regime soviético de Stalin, postou em sua página pessoal no Facebook uma fotografia em um jantar descontraído ao lado do controverso juiz Sérgio Moro (frequentemente acusado de agir com parcialidade em benefício de figuras políticas do PSDB). Em meio às inflamadas reações do público, que foram desde acusações de traição por parte do historiador nos comentários da própria imagem até conhecidos acadêmicos de esquerda manifestando seu repúdio em cartas abertas, outro fenômeno foi que me saltou aos olhos: o que levou as pessoas “decepcionadas” com Leandro Karnal a achar que as ideias dele estavam de acordo com as suas próprias? E por quê?
Sem entrar no mérito se é conveniente ou não posar para fotografias ao lado de Sérgio Moro e tão pouco criticar os motivos que levaram Karnal a, em referência ao centenário da revolução russa de 1917, focar seu texto em Stalin e não em Lenin, pretendo apenas sublinhar que a enxurrada de críticas inflamadas ao historiador por tantas pessoas que até meses atrás eram seus fãs nos expõe um fato bastante preocupante: Grandes setores da esquerda brasileira estão tão carentes de leitura e interpretação de texto quanto a direita que tanto criticam. Os acontecimentos destas últimas semanas deixaram bastante claro que, apesar da polarização e das trocas de acusação, ambos os grupos são incapazes de analisar os discursos e reconhecer a orientação política de um autor com base em seus escritos, se orientando quase que exclusivamente por cultos à personalidade e frases de efeito.
Explico: Se amanhã uma figura notoriamente conhecida por posicionamento “direitista” (digamos Jair Bolsonaro) publicar como sendo seu um pensamento um pouco mais complexo de Vladimir Lenin em sua página pessoal, suprimindo a sua autoria original, arrisco-me a dizer que grande parte da esquerda brasileira iria imediatamente se agitar, atribuindo a este pensamento alcunhas como “fascista” e “opressor”, baseando-se somente na imagem construída ao redor do suposto autor (este que de fato parece possuir camisas pardas em seu guarda-roupa). Ironicamente seria bastante curioso assistir aos seguidores do garoto propaganda da direita conservadora, entre discursos anticomunistas e delírios Macartistas, assinando embaixo das palavras de Lenin e reproduzindo seus trechos nas redes sociais.
Mais urgente do que discutir se crise a humanitária da Ucrânia sob o regime de Stalin foi ou não um ato premeditado é constatar que foi preciso Karnal reproduzir discursos anticomunistas em sua coluna e tirar uma foto com Sérgio Moro para grande parte da esquerda brasileira perceber que, apesar de ser progressista fazer críticas bastante acertadas em temas como a defesa do estado laico por exemplo, ele não é e nem nunca se colocou como ícone da esquerda.