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A relação entre vacinas e autismo: entenda como uma mentira bem contada têm ameaçado a saúde coletiva pelo mundo

A relação entre vacinas e autismo: entenda como uma mentira bem contada têm ameaçado a saúde coletiva pelo mundo

Giovanne Vieira de Oliveira
Wesley Silva Trindade
Departamento de Ciências Biológicas, Faculdade de Ciências e Letras, Câmpus de Assis – UNESP
Palavras-Chave: Cobertura vacinal, Doenças, Fraude, Movimento antivacina

A vacinação é sem dúvidas uma das maiores descobertas científicas da humanidade. Desde o seu surgimento no século XVIII ela vem sendo uma importante ferramenta no controle e na erradicação de doenças infectocontagiosas por todo o mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, todos os anos são evitadas entre 2 e 3 milhões de mortes por doenças preveníveis graças à vacinação. Embora seja inegável o sucesso da imunização no controle de doenças, muitas pessoas ainda relutam em vacinarem a si mesmas e a seus filhos por medo de um mito idealizado por um cientista mal intencionado que divulgou informações falsas acerca da segurança de um determinado imunizante.
Foi no ano de 1998 quando o médico britânico Andrew Wakefield e mais 12 pesquisadores publicaram juntos na renomada revista científica The Lancet um artigo que associava a vacina tríplice viral a supostos casos de autismo. De acordo com o estudo, 12 crianças que deram entrada no Royal Free Hospital, um importante hospital de Londres, supostamente vieram a apresentar inflamações gastrointestinais e alterações comportamentais características da síndrome do espectro autista após terem recebido a vacina que protege contra o sarampo, a rubéola e a caxumba.
De acordo com Wakefield, o sistema imunológico das crianças teria se sobrecarregado em decorrência da imunização pela vacina tríplice viral. Essa suposta sobrecarga teria provocado distúrbios fisiológicos que levou a alterações no desenvolvimento mental das crianças. À essa condição Wakefield chamou de “autismo regressivo”, pois teria se originado após uma fase de desenvolvimento normal.
O artigo repleto de dados manipulados e desvios éticos ganhou grande repercussão dentro da comunidade científica. Inúmeras críticas surgiram por parte de pesquisadores, que apontavam as incoerências do estudo, mas era tarde. O artigo estava publicado. Para piorar a situação, Wakefield recebeu apoio do hospital em que trabalhava para gravar uma entrevista coletiva em que defendia a suposta relação entre a vacina tríplice viral e o “autismo regressivo”. O vídeo foi distribuído às emissoras de televisão para a veiculação midiática. O estrago estava feito. Em pouco tempo o medo do tríplice viral se espalhou pela sociedade. Pessoas de todo o mundo passaram a deixar de vacinarem a si e a seus filhos por influência das ideias de Wakefield. Originava-se aí uma das maiores, se não a maior, conspiração antivacina da história.
Buscando demonstrar a inconsistências do estudo, várias linhas de investigações foram traçadas e descobriu-se que o médico Andrew Wakefield estava sendo financiado por advogados que, em busca de lucros, tentavam forjar provas para abrir ações judiciais contra os fabricantes de vacinas. Além disso, descobriu-se também que antes de publicar o artigo, o médico havia solicitado um registro de patente para uma nova vacina contra o sarampo, a qual seria um potencial concorrente à tríplice viral, o que se configura como conflito de interesses.
Mesmo com as investigações indicando incoerências nos dados do estudo, as pessoas continuavam com medo do imunizante. Movimentos antivacinas surgiam por todo o globo e se utilizavam do estudo de Wakefield para influenciarem o imaginário popular. A desconfiança que se iniciou com a tríplice viral se ampliou para os demais imunizantes. Como consequência, os Estados Unidos e países da Europa passaram a registrar uma diminuição do número de crianças vacinadas e consequentemente um aumento nos casos de doenças preveníveis, como o próprio sarampo, que em 2008 voltou a ser alvo de preocupação na Inglaterra e no País de Gales. Já no Brasil, doenças como a varíola, a rubéola e também o sarampo voltaram a ameaçar a saúde pública devido à queda na cobertura vacinal.
Somente em 2010 – doze anos após a publicação na revista – o artigo foi retratado por 10 dos 13 autores (Wakefield foi um dos que se recusaram a assinar a retratação). A The Lancet também se desculpou pela publicação do estudo errôneo e anulou o artigo original. Já Wakefield teve sua licença médica cassada pelo Conselho Médico Geral Britânico, que o considerou irresponsável e antiético.
Apesar das investigações terem revelado a fraudabilidade do trabalho e diversos estudos posteriores terem comprovado a segurança dos imunizantes, até os dias de hoje a crença de que “vacinas causam autismo” segue sendo reforçada por conspiracionistas, partidários da medicina alternativa e ativistas do movimento antivacina. Nas redes sociais, páginas e grupos antivacinação influenciam milhares de pessoas através do compartilhamento de informações falsas acerca da segurança dos imunizantes. No contexto atual, essas mentiras ameaçam ainda o controle da atual pandemia da Covid-19, já que é consenso entre especialistas que a doença somente será controlada ao se atingir a imunidade de rebanho, o que se torna inconcebível com a recusa à vacinação.
Uma pessoa que decide não se vacinar contra uma determinada doença se torna vulnerável à ela e caso venha a se contaminar, corre o risco de transmiti-la à pessoas à sua volta. Ou seja, ao não se vacinar o indivíduo compromete não somente a sua vida, mas também a de pessoas ao seu entorno.

A vacinação é mais que uma proteção individual. É um ato de cidadania e um compromisso coletivo a favor da vida.

Referências Bibliográficas:
BARBOZA, Renato; DE ASSIS MARTORANO, Simone Alves. 2017. O caso da vacina tríplice e o autismo: o que os erros nos ensinam sobre os aspectos. Histórias das ciências, epistemologia, gênero e arte: ensaios para a formação de professores, p. 53. Disponível em: < http://books.scielo.org/id/8938t/pdf/moura-9788568576847-04.pdf>.
MELLO, Cecilia; GERVITZ, L. 2020. O movimento antivacina: a contaminação ideológica, a escolha social, o direito e a economia. Revista de Direito e Medicina, v. 5, p. 1-14. Disponível em: < https://www.thomsonreuters.com.br/content/dam/openweb/documents/pdf/Brazil/white-paper/rdm-5-cecilia-mello-e-luiza-gervitz-o-movimento-antivacina.pdf>.
ZORZETTO, Ricardo. 2011. Manipulação de dados. Pesquisa FAPESP. São Paulo, n. 181. Disponível em: < https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2012/05/057-059-181.pdf>.

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