Greve Geral de 1917: 100 anos depois

Por Fábio Leite da Silva

O ano de 1917 foi um dos mais, senão o mais significativo do século XX. No México naquele ano foi promulgada a primeira Constituição da História que conta com o que conhecemos como “direitos sociais”.

Isso só foi possível através da luta revolucionária que se iniciou sete anos antes naquele país e pôs fim ao Porfiriato, que perdurou por quase quatro décadas. A Rússia lutava a Grande Guerra com dificuldades e ao mesmo tempo, dentro de suas fronteiras, passava por uma reconfiguração política, social e econômica, iniciada a tão vultosa Revolução Russa que destituiu o Czar e em outubro alçou os Bolcheviques ao comando do primeiro Estado Socialista.

Aqueles “dias que abalaram o mundo”, como escreveu John Reed, parece ser uma espécie de Zeitgeist, uma tendência da época que culminou em uma situação de extrema tensão na arena da luta de classes em diversos países do mundo.
No Brasil não foi diferente, enfrentávamos também uma crise, nossa economia era muito dependente das dinâmicas da economia europeia e a Primeira Guerra Mundial contribuiu para o agravamento dessa crise.

Quem se beneficiou desse cenário foi a indústria têxtil de São Paulo que teve um crescente aumento no número de suas exportações ao decorrer e por razão da guerra. Enquanto isso, o café que era ainda o principal produto de exportação brasileiro teve uma queda gigantesca. As jornadas de trabalho que já eram altas foram ampliadas através de horas extras mal remuneradas para suprir a demanda de produção para exportação.

É possível comparar a situação do proletariado brasileiro em 1917, com aquele que conhecemos após a revolução industrial na Inglaterra. Condições degradantes de trabalho, salário, moradia e alimentação, cargas horárias de até 17 horas, mulheres e crianças trabalhando por salários que chegavam a um terço de um homem adulto, no entanto, o lucro dos donos das fábricas era cada vez maior.
O operariado paulista era no geral formado por imigrantes, a maioria italianos e espanhóis. Os espanhóis trouxeram de seus países, ideias socialistas e anarquistas que formaram a identidade daqueles trabalhadores enquanto classe.

Naquele ano, a mais importante Greve Geral que ocorreu no Brasil foi  resultado de uma profunda politização e organização dos trabalhadores em comitês e sindicatos e uma imprensa libertária, espalhados pelos bairros operários de São Paulo que adotavam a ação direta como estratégia de luta por trabalho digno, através de greves e assembleias que se tornavam cada vez mais corriqueiras.

No dia 9 de julho de 1917, quando há meses muitas fábricas vinham fazendo greves esporádicas, um protesto em frente a uma fábrica foi reprimido violentamente pela polícia terminando com a morte do operário José Martinez, um espanhol de 21 anos.

A tragédia repercutiu de tal maneira que outros operários, sindicatos e comitês se prepararam para a paralisação geral no dia 12, e o funeral do trabalhador morto que foi um prelúdio do que seria a greve, contou com uma marcha de milhares de pessoas.

Durante 45 dias, 100 mil trabalhadores lutaram com muita resiliência por suas reivindicações (ocorreram greves também em outras capitais de Estado), as mais imediatas como a diminuição da jornada de trabalho e aumento salarial foram atendidas para que as fábricas retomassem a produção.

O fato mais importante da greve foi o reconhecimento das autoridades, empresários e até mesmo da grande imprensa da época, que a luta dos trabalhadores era legítima.
100 anos se passaram e a situação da classe trabalhadora no Brasil, conquistada com muita luta e sangue está sendo aos poucos dilapidada, através de reformas promovidas por um governo com menor aprovação do que o governo eleito, comprando parlamentares descaradamente e criando uma “unanimidade compulsória”através da grande mídia que tem o papel de convencer a massa de que estas reformas são a salvação do país.

Os meios de luta convencionais são estranhos à classe trabalhadora que já não se identifica mais com a burocracia sindical, e que parece não conseguir mais convocar uma greve decente. Muita coisa mudou, exceto o fato de que continuamos dependentes….

Fábio Leite da Silva estudou História na UENP e é professor da rede estadual

 

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