O que há para comemorar nesse 15 de outubro?

Visitar a sala de aula de uma escola pública é, salvo felizes exceções, defrontar-se com um ambiente sem condições mínimas de trabalho. Espaço reduzido, onde se amontoam dezenas de alunos em carteiras em péssimo estado. A exposição dos conteúdos depende ainda do arcaico giz-louza-saliva. Os professores muitas vezes não contam com uma sala adequada para a realização da Atividade de Trabalho Pedagógico Coletivo, reuniões em que debatem o andamento das aulas e seus procedimentos didático-pedagógicos. Escolas nas quais se consegue suprir essas exíguas condições o conseguem graças a verdadeiros malabarismos financeiros e organizacionais de direção e docentes.

O raciocínio é muito simples: qualquer trabalhador irá cumprir melhor com suas obrigações se seu ambiente de trabalho possuir os instrumentos necessários para suas atividades; se possuir condições adequadas de higiene, ventilação e deslocamento; a aparência do local também é importante, sendo necessário que seja minimamente agradável, evitando desgaste desnecessário.

Não há hoje qualquer preocupação para garantir que essas condições sejam contempladas de maneira minimamente satisfatória nas escolas públicas. Isso não afeta somente professores: os alunos também se defrontam várias horas por dia com uma estrutura inadequada para sua aprendizagem, atividade que já não é fácil por si mesma, por exigir concentração, instrumentos adequados e conforto.

Um ambiente de trabalho onde se encontra tamanho desmazelo produz efeitos óbvios: falta de motivação, para professores e alunos, que se vêem obrigados a improvisar todo o tempo com aquilo que têm à mão, com o conseqüente aumento do nível de estresse e, por fim, um nível de desgaste que pode chegar ao esgotamento (conhecido no jargão técnico como Síndrome de Burnout).

Infelizmente, o curso deste texto nos leva a falar dos salários dos professores. Pois se junte a este quadro desalentador do Ensino Público a má remuneração que esses profissionais recebem. Além de não ser condizente com a importância de sua função, implica em dificultar o acesso a atividades culturais, livros, revistas, cursos, congressos etc., tão importantes para que o docente atualize seus conhecimentos, renove suas idéias e alimente-se do universo cultural, para poder transmiti-lo aos seus alunos.

Outro ponto a salientar é a crescente precarização da categoria. Sem abertura de concursos para efetivação nem a criação de um plano de carreira, o ensino público no Estado de São Paulo contrata um número cada vez maior de profissionais temporários, dando a estes pouquíssimas garantias e pagando salários ainda menores.

O que se demonstra aqui não é uma tentativa de colocar o professor como vítima. Trata-se de revelar o quadro tristemente real da situação do Ensino Público e de como a prática docente, vital para o desenvolvimento político, econômico e social, não tem recebido a devida atenção.

É preciso dizer que no ensino privado a situação muda em alguns pontos, pois as famílias gostam de ver seus filhos e filhas em prédios com cheiro de novo. Quanto aos rendimentos de educadoras e educadores, o quadro também é desalentador, salvo as sempre existentes exceções.

Some-se a isso a pandemia em que nos encontramos. Ainda que os governos, a grande imprensa e o empresariado insistam em esvaziar o seu tamanho e seriedade, é preciso lembrar que ela continua a plena força e já matou mais de 150 mil pessoas, segundo os números oficiais, obviamente subnotificados. Sob as condições rapidamente descritas aqui, não é possível observar protocolos sanitários, mesmo com turmas reduzidas ou rodízio.

Além disso, querem fazer acreditar que crianças e adolescentes, cuja índole já não é condizente com o ambiente disciplinar da escola, se submeterão a normas de higiene rigorosas, que impedem o contato, a proximidade e exigem o uso constante de máscara.

Considerando apenas a perda em matrículas para a rede privada, forçam professoras e professores a voltar às aulas, sob risco concreto de vida para si mesmos, para suas famílias e para o alunado. A sensação de que o professorado é mão de obra facilmente substituível é evidente, quando não claramente expressa. Manter a nós professores e professoras vivos em meio à pandemia é necessidade evidente, que já não está mais sendo compreendida dessa forma.

Nesse 15 de outubro de 2020, o que há para se comemorar? O bolsonarismo nos vê como inimigos e o empresariado como descartável. O que temos não é festa; é luta. É preciso manter nossa posição crítica e a consciência de nosso papel indispensável, bem como a união da profissão, mesmo que artificialmente dividida em categorias.

Se realmente desejamos garantir a manutenção de uma sociedade democrática, com a satisfação das necessidades econômicas e culturais de todos, devemos começar olhando com atenção para a vida e as necessidades do trabalhador do ensino.

Luiz Bosco S. Machado Jr. é psicólogo, especialista em Psicologia Escolar e Educacional, Doutor em Psicologia pela Unesp – Assis e docente na Unifio.

APOIE

Seu apoio é importante para o Jornal Contratempo.

Formas de apoio:
Via Apoia-se: https://apoia.se/jornalcontratempo_apoio
Via Pix: pix@contratempo.info