A colcha de retalhos

Por Letícia Neri 

 

A vida é por assim dizer um emaranhado de coisas, que é particular para cada indivíduo, somos cheios de coisas e ao mesmo tempo somos uma coisa só que nos forma. É como se fôssemos uma colcha de retalhos que é formada por vários pedacinhos de tecidos, e todos muito diferentes um do outro, alguns mais ásperos e resistentes como o algodão cru, outros mais delicados e macios como seda, cores vibrantes, cores opacas, furos e vazios que sempre estão por preencher.

 Guimarães já dizia que a vida é um rasgar-se e remendar-se, o que pra mim é algo muito semelhante a criar uma colcha de retalhos, um processo no qual só têm fim quando estamos no fim da linha, e esse processo é contínuo até a linha que faz a vida acabar.

 A gente se rasga para caber em relações, em lugares, se rasga porque às vezes acreditamos que quem somos nunca é o suficiente. Mas isso também faz parte do processo da colcha, depois que a gente se rasga, a gente se remenda, se acolhendo, chorando, se aceitando e vendo que a vida é tudo isso mesmo. É essa colcha que somos, cheio de remendos, furos, traumas passados e coisas ocultas que a gente nunca quer enxergar.

 A colcha não segue uma combinação, um padrão de cores, ela não é muito simétrica ou algo que nos agrada quando enxergamos. Ela é o que é, convenhamos que não temos poder total sobre ela porque os outros fazem parte dela também, tem dias que por exemplo, com uma conversa simples eu quero me rasgar de tanta raiva por ser quem sou, mas há dias que pelo mesmo motivo eu crio ânimo para me remendar da melhor forma que posso no momento. 

 Enxergá-la… Enxergá-la totalmente com todas suas imperfeições num mundo que vende a ideia de ser possível ter a colcha perfeita é muito doloroso, mas precisamos reparar nossos erros, às vezes tá tudo muito apertado, às vezes tudo muito frouxo, então a gente enxerga, repara, rasga e remenda.

 E eu não me atrevo a dar um sistema de valoração para as colchas, é preciso enxergá-las com sensibilidade, porque como todo trabalho feito à mão, é feito por humanos, assim cada um tem sua particularidade, seu modo de fazer, não somos máquinas, não há padrões, porque por mais que o coletivo contribua, ninguém pode fazer a nossa colcha pela gente.

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