“Farinha pouca, meu pirão primeiro”
Com o tímido início da vacinação contra o Coronavírus no Brasil, surgem as primeiras denúncias de pessoas que, mesmo não pertencendo aos grupos prioritários, foram imunizadas.
Em razão disso, as autoridades responsáveis são cobradas quanto a resposta a ser dada aos “fura fila”.
Uma reação imediata seria dizer que o fato configura um crime e deve ser punido como tal, mas esta não é a única saída possível.
As primeiras análises dividem os especialistas: enquanto uma parcela sustenta que a conduta poderia configurar, por exemplo, o crime de violação de medida sanitária (art. 268 do Código Penal), outra acredita que a solução adequada seria pela via administrativa, com aplicação de multas e responsabilização dos envolvidos.
Seja qual for o caminho escolhido, algumas ponderações são necessárias. Em ambos os casos, o bem jurídico protegido pela lei é a saúde pública, que é um direito de todos. Por conseguinte, qualquer violação a tal direito da coletividade demanda uma reprimenda exemplar.
Assim, em uma situação hipotética na qual o “fura fila” seja processado criminalmente, vindo a ser condenado como incurso no delito acima mencionado, é improvável que este cumpra pena de prisão, pois a lei oferece alternativas como prestação de serviços à comunidade e pagamento de cestas básicas, que são possíveis neste caso.
Ao contrário do que é popularmente difundido, nem sempre algo ser considerado um crime corresponde em dizer que a punição em decorrência dele é a mais eficiente.
Deste modo, não se vislumbra uma resposta à altura do prejuízo que o desrespeito a norma causaria no coletivo, sendo prudente procurar alternativa mais eficaz em outra área do Direito.
E aí que entra a responsabilização pela via administrativa. A depender da relação jurídica existente entre o vacinado e o poder público, as punições são das mais variadas, podendo ser desde multa até ação de improbidade administrativa, a qual pode resultar em perda da função pública do agente.
Em um dos casos já apurados no país, a Justiça Federal no Amazonas determinou que os privilegiados não receberão a 2ª dose da vacina antes de seu lugar na fila, podendo ser presos em flagrante caso descumpram tal determinação, sem prejuízo de indenizarem a coletividade pela lesão causada.
Portanto, as consequências administrativas podem ser mais graves do que as penais e servem como desestímulo aos que, eventualmente, cogitem praticar atos que, além de moralmente reprováveis, prejudicam a sociedade como um todo.
Por fim, vale lembrar que a análise aqui trazida não exclui outras intepretações dadas pelas autoridades competentes, visto que os casos concretos podem apresentar particularidades que os diferenciam uns dos outros, levando a conclusões diversas.
Sobre o autor
Fernando Godinho de Lima é advogado criminalista (OAB/SP 407.226), formado pelo Centro Universitário das Faculdades Integradas de Ourinhos (UNIFIO) e pós-graduando em Direito Penal, Processual Penal e Criminologia pelo Projuris – Estudos Jurídicos.
E-mail: fgodinholima@hotmail.com