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A RETOMADA DO CLÁSSICO E O CATÁRTICO DO GÓTICO: “WANDINHA” (2022) E O PÚBLICO TEEN

A RETOMADA DO CLÁSSICO E O CATÁRTICO DO GÓTICO: “WANDINHA” (2022) E O PÚBLICO TEEN

Em uma maré de sucesso das séries em plataformas de streaming, estreou recentemente uma nova produção que vem alcançando os maiores índices de audiência: “Wandinha” (2022), produção que mistura horror e humor e que traz como personagem principal aquela que lhe dá o título, Wandinha Addams, icônica integrante da famigerada Família Addams.
Eu, particularmente, não acompanho séries, porém, esta em particular tem chamado a atenção por pelo menos dois motivos que vou expor nas linhas a seguir.
O primeiro motivo é o curioso caso do novo que retoma os clássicos. A série reaviva a franquia “A Família Addams”, que teve origem com um seriado da TV americana criada por Charles Addams e David Levy, e foi exibida de 1964 a 1966. Com personagens absurdos envolvidos em situações também absurdas, com certeza os Addams tornaram-se parte não só da indústria cultural das últimas décadas, como também da memória afetiva de milhões de fãs pelo mundo todo. Além disso, “Wandinha” é uma superprodução dirigida por Tim Burton, diretor bastante conhecido pela sua peculiar atração pelo sombrio, o gótico e o fantástico. Filmes como “Beetlejuice” (1988), “Edward, mãos de tesoura” (1990) ou “A lenda do cavaleiro sem cabeça” (1999), são alguns dos exemplos mais famosos da cinematografia de Burton.
Nesse sentido, torna-se importante que um ícone do entretenimento desde os anos 1960 e que um diretor que alcançou prestígio na década de 1980 ainda caiam no gosto popular e sejam consumidos majoritariamente por um público pelo menos 50 anos mais jovem que suas primeiras obras.
O segundo motivo é o efeito catártico proporcionado principalmente pela protagonista no dito “público teen”. Wandinha, que já foi interpretada por Lisa Lorig na década de 1960 e Christina Ricci nos filmes dos anos 1990, agora é encarnada por Jenna Ortega em uma atuação digna de notoriedade. Fria, irônica, sádica e inteligente, a personagem já era bastante conhecida por jovens e adolescentes através de “memes” nas redes sociais, ainda que estes nem tenham assistido ao seriado, desenho animado ou filmes dos Addams. O drama vivido por Wandinha causa um impacto de identificação em boa parte do público “teen” por tratar de situações cotidianas e escolares. A jovem personagem, lapidada sob uma estética peculiar dos Addams, remete a determinadas “tribos urbanas” (expressão criada pelo sociólogo Michel Maffesoli em 1985, mas que hoje passa por um revisionismo conceitual devido a seu caráter pejorativo), tais como góticos, emos, e-girls ou e-boys. Evidentemente que considerar Wandinha como pertencente a esses nichos sociais, limitando as características e performance da personagem a eles é, senão reducionista, no mínimo estereotipado. Claro que minha intenção não é essa. Quero apontar que a personagem tem despertado na audiência “teen” uma espécie de “redenção” do gótico e do subversivo através da catarse, ou seja, a identificação com o personagem trágico e purificação das paixões por meio dela, em termos aristotélicos.
A retomada dos clássicos e a catarse do gótico são os pontos mais fortes da série de Tim Burton. Entretanto, conteúdo e forma da produção seriada não podem ser entendidos separadamente. Vale a pena que os adolescentes de hoje entrem na atmosfera da trama, até por conta de questões sociais extremamente relevantes, tais como socialização, grupos sociais, bullying, respeito à diversidade, etc. Mas também vale a pena que esse público conheça o diretor, o gênero audiovisual que estão assistindo, a atuação não só de Jenna Ortega, mas de atores consagrados como Luis Guzmán no papel de Gomez Addams (e por que não de Raúl Juliá?) e de Catherine Zeta-Jones no papel de Mortícia (e por que não de Anjelica Huston?). Vale a pena que séries como essa, para além de mero produto cultural, tornem-se arte engajada, como diria Walter Benjamin. Vale a pena assistir “Wandinha”. “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena” (Fernando Pessoa).

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