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LAMB (2021): A ABSURDEZ DO DIÁFANO.

LAMB (2021): A ABSURDEZ DO DIÁFANO.

Por Bruno Yashinishi

Em 2021, o diretor islandês Valdimar Jóhannsson estreou seu primeiro longa-metragem intitulado “Lamb”, filme que causou grande impacto na crítica, no público e nas redes sociais virtuais pelo seu estilo surrealista e uma trama que mistura suspense, drama e tímida dose de horror.
Por ambientar-se majoritariamente durante o dia e tocar sensivelmente no tema da maternidade, a obra é comumente analisada sob a esteira de “Midsommar” (2019), de Ari Aster e de “Mãe!” (2017), de Darren Aronofsky. Analogias mais equivocadas do que cabíveis.
O casal Maria (Noomi Rapace) e Ingvar (Hilmir Snær Guðnason) dedica-se a ovinocultura em uma região rural praticamente inóspita da Islândia. Certo dia, ao fazerem o parto de uma ovelha, os dois se surpreendem com o nascimento de um ser híbrido humano-cordeiro do sexo feminino, a quem adotam como filha e dão o nome de Ada. Alguns anos mais tarde, Pétur (Björn Hlynur Haraldsson), irmão de Ingvar, visita o casal, passa um tempo com ele e aprende a conviver com Ada e a amar, apesar de estranhá-la no começo.
O desenrolar da trama é, no mínimo, intrigante. Poucos diálogos e trilha sonora, mas muita tentativa de emplacar a empatia do espectador ao improvável. Às vezes funciona, outras vezes nem tanto. As coisas começam a mudar quando Maria mata a ovelha, mãe de Ada. A partir daí, o que a audiência estava começando a “normalizar” segue escambando para uma sucessão de acontecimentos bizarros até o clímax revelador de toda mística insinuada, mas até o final, não escancarada no filme.
Como esse texto não pretende ser uma simples sinopse de “Lamb”, não iremos aqui revelar o desfecho, tampouco buscar intepretações pífias de toda sua simbologia, presentes em tantas hermenêuticas encontradas na internet. Nosso objetivo não é dissociar conteúdo e forma do filme e, assim, apontar logo sua mensagem direta: a natureza é a grande mãe de todas as criaturas. Nesse sentido, Ada é filha adotiva tanto da ovelha quanto de Maria. Das duas recebe nutrição, proteção, amor. Porém, não recebe a essência e (em termos sartreanos) a existência.
Ada implica um paradoxo existencial que sacode as dicotomias entre humano/animal, natureza/cultura presentes em diversas filosofias. Desmond Morris, em “O macaco nu” (1969) estudou o comportamento humano sob o ótico animal, demonstrando que nossa espécie sempre fez questão em negar suas próprias características hereditárias. Ada não é animal educada como humana, nem natural que aprende cultura. Ela é humana e animal, natural e cultural. Ela não desenvolveu a fala, mas também não se locomove como quadrúpede. Não é uma aberração da natureza, mas uma dádiva dela.
“Lamb” é um filme que nos apresenta o diáfano. Na Metafísica, entendemos o diáfano como o óbvio, mais do que evidente, o transparente sem qualquer opacidade. Sendo assim, o diáfano é absurdo. Torna-se absurdo o quão óbvio é lembrar que os humanos são animais. É evidente que a natureza prevê e provê toda a existência. São transparentes as reações da natureza frente aos ataques de nossa espécie, motivada pela autossuficiência e pelas soberbas (culturais, religiosas, científicas e políticas).
O violento revanchismo do final da trama nos desconcerta porque era presumível ao longo do filme desde o início. A maternidade não é exclusiva da humanidade, muito menos ocupa espaços biológicos/anatômicos e afetivos/sociais diametralmente opostos. Mesmo sem saber como iria acontecer, ou então, quem seria seu algoz, a vingança da maternidade natural em “Lamb” é absurdamente diáfana. O antropozoológico presente no filme também é. A absurdez do diáfano é constrangedora. Tão constrangedor quanto dar de pastar a uma menina ou assistir TV com um cordeiro.

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