Bar do Português: Da tamancaria ao famoso bolinho de bacalhau

José Luiz Martins  –  Domingos Nunes Couto nasceu em  agosto de 1918 em vila Real de Trás dos Montes Freguesia de Abaças, Portugal. Seu Domingos o português,  com seu sotaque lusitano e voz  grave atravessou mares e findou em outra freguesia. Deixou pra trás na terra patrícia pais, irmãos, amigos e trouxe consigo os ensinamentos do  velho mundo. Zona rural, a  freguesia de  Abaças onde morou até imigrar para o Brasil nos anos 50,  é parte integrante da rica Região do Douro.

Onde o vinho generoso da mais alta qualidade, o azeite, a batata, as hortaliças e os cereais, compõe a mesa  e até hoje,  são os principais meios de subsistência da  pequena população do vilarejo. Lugar de gente simples e trabalhadora, que tem na terra a sua maior riqueza. Assim sem tirar nem por era seu Domingos pessoa simples que só fez alegremente trabalhar e conquistar outras plagas.

No Brasil encarou sacrifícios e trabalho duro até conseguir melhorar as condições de vida de sua família. Depois de cortar muita lenha e cuidar de criação de porcos, foi gerenciar uma rede de vagões restaurantes dos trens da Rede de Viação Paraná Santa Catarina por onze anos. Em 1968 abriu na esquina da Rua Paraná com Cardoso Ribeiro o Bar Lusitano, que viria a tornar-se um dos mais tradicionais bares da cidade .

Popularizado como bar do Português era o local na cidae onde se  saboreava  um inigualável bolinho de bacalhau com gostinho da tradição dos patrícios da freguesia de Abaças.  Mas, como tudo na vida passa, aquele aroma e sabor,  hoje está só na lembrança de quem experimentou a deliciosa iguaria, o Bar Lusitano  fechou definitivamente suas portas em 2008 e deixou na saudade uma imensa freguesia.  Seo Domingos  viria a falecer em 2018 no aos 89 anos deixando os filhos João Antônio, José Domingos  e Carlos Alexandre que por anos também estiveram cotidianamente atrás do balcão  do saudoso bar, ambém era famoso pela cerveja estúpidamente gelada.

Os filhos João Antônio (nascido em Portugal) e Carlos Alexandre

Domingos Nunes Couto

Entrevista a José Luiz Martins em outubro de 2012

Sr. Domingos o sr nasceu e viveu até os 39 anos em  Portugal antes de vir para o Brasil . O que havia de bom lá quando partiu?

Principalmente o vinho , é de dar vista aos cegos e curar os paralíticos….rsrs. É a coisa que melhor lá tem. E em segundo eram as “moçaradas” que eram  boas naquela época , muito ricas de saias compridas . Era  difícil de ver um palmo de pernas , era muito bom. A rapaziada era boa e coisa e tal, gostávamos de ir aos bailes dançar era muito divertido. Os bailes eram familiares, um dia os pais das moças  convidavam e a gente ia e tinha também as romarias de ano que faziam em várias freguesias. Era o arraial com  poeira no ar e banda de música a tocar e toda a gente a noite toda a dançar. O vinho não faltava era colocado a vista.

Nos anos em que viveu em Abaças  o sr. estudou e trabalhou?

Era zona rural e muito montanhosa na região da cidade de Vila Real, freguesia de Abaçãs é um patrimônio uma aldeia a mais ou menos vinte quilômetros de Vila Real uns 400 km de Lisboa.   Eu estudei muito pouco, foram dois anos de escola como se fosse o terceiro ano primário. Trabalhei no campo, meus pais eram lavradores e tinhamos uma oficina de tamancaria. Na lavoura cuidava da plantação de parreiras de uvas, plantação de batatas, trigo, centeio, colhíamos azeitonas e fazíamos o  azeite. Meus pais eram pessoas muito boas, ótimas, e a gente sente saudade até hoje eu tinha mais sete irmãos eu era o quinto filho deles, todos nós ajudávamos  trabalhávamos juntos.  A noite fazíamos tais tamancos na oficina, dormir era pouco. Os tamancos eram o sapato da época popular não tinha outro era comum popular, naquela época não dava pra  comprar sapatos finos. Sola de madeira e couro, eram os tamancos do dia e da noite.

Domingos à esquerda nos tempos do serviço militar em Portugal

Nesse período Portugal vivia uma ditadura como era isso pra um jovem lavrador e tamanqueiro?

Era uma ditadura pesada,  Salazarista que não deixava a gente falar a língua que tinha, então a gente não se metia. Com 20 anos fui para o serviço militar na cidade do Porto, era obrigatório, foram  20 meses. Nos primeiros seis meses como recruta vão descobrindo as capacidades que cada um tem  e depois vão saindo pra diversas especialidades. No meu caso eu fui sinaleiro e telegrafista.  Aprendi o código morse e fui trabalhar na estação de trem como telegrafista e tive a oportunidade de terminar o 4º ano primário, e de fato, ali foi quando peguei uma outra visão de vida. Depois do aquartelamento militar liquidado voltei comecei a namorar e casei . A minha mulher vivia no mesmo  patrimônio que eu vivia, os pais delas tinham lá uma taberna,  eles tinham uma propriedade em outra freguesia  eu fui pra lá e montei a oficina de tamancaria e toquei aquela propriedade até vir para o Brasil.

O que despertou. o interesse em  vir para o Brasil?

Vim porque outros colegas meus da mesma mocidade vieram e escreviam  dizendo que estavam ganhando isso ganhando aquilo, e eu fui feito naquela ilusão e me meti nessa aventura (risos). Minha mulher entendeu que devia vir e então um colega meu  mandou uma carta de chamamento, que o consulado exigia, era uma carta de responsabilidade de quem já morava aqui sobre o outro que ia vir. Juntei uns trocados e enfrentei 13 dias de viajem num  navio. Partiu da Espanha, embarquei em Lisboa  e desembarquei em Santos em julho de 1957. Aí fui pra casa desse colega que tinha uma taberna  lá em Santos e no outro dia peguei minha mala fui para São Paulo na casa de um tio que já tinha imigrado. Aí fui procurar emprego,  só tinha para ganhar pouco, e eu como tinha mulher e filho em Portugal, como é que ia viver de salário mínimo era um problema.

Demorou muito até conseguir uma colocação,  como foi que conseguiu  um emprego?

Esse tio meu era viajante vendedor de secos e molhados tinha um percurso que ele fazia em São Paulo, eram vários lugares e na região  da Estação da Luz. Eu sempre acompanhava ele,  estava aprendendo pois ele tinha a intenção de deixar a pasta pra mim. Foi aí que fomos até a Estação da Luz onde ele vendia mercadorias pra o Sr. Agostinho que era concessionário de uma rede de trens restaurantes na Estada de Ferro Sorocabana até Presidente Epitácio. E a partir  de Ourinhos também,  na Rede de Viação Paraná Santa Catarina na linha até Maringá.

Como meu tio João era amigo dele, pediu pra que arrumasse emprego pra mim. Então ele disse,  se você quiser alí em Marques dos Reis eu tenho um serviço pra trabalhar numa chácara lá coisa e tal. Quando ele disse, alí.  Eu pensei que, era perto de São Paulo depois vi a lonjura. O salário no Paraná era de dois  mil e quinhentos cruzeiros,  como ele disse que me dava uma casinha pra morar, a comida e  um salário de 4 mil eu aceitei, noutro dia, ele me deu 500 cruzeiros  despachei a mala e tirei a passagem. Entrei no trem de prata, era um trem de luxo, ele disse pro gerente do carro restaurante  que me atendesse no que eu  precisasse. Demorou,  o trem  saiu as onze da manhã e chegamos as 11 da noite.

Como foi daí em diante, era o que esperava?

Tinha um funcionário da empresa me esperando na estação e me mandou dormir na pensão Sto Antonio onde hoje está o shooping center. No dia seguinte pegamos o misto que era um trem que ia até Jaguariaiva , desci em Marques dos reis onde tinha o armazém  da firma. Do lado do armazém ficava a chácara onde criava porco pra abate e preparava a lenha para o fogão dos vagões restaurante, matava dois porcos por semana para abastecer os carros. Na casinha que tinha lá não deu pra ficar, tinha um casal novo morando lá, ele era o caseiro.  Não quis , dormi por seis meses no vagão restaurante  do trem que vinha de Maringá que ficava pra fazer limpeza e abastecer de comida, lenha, agua ,   trocava de vagão, um outro limpo e preparado seguia com o trem  pela Sorocabana até São Paulo. O meu serviço era cuidar dos porcos e cortar a lenha. Passado mais dois meses o patrão apareceu e perguntou se eu estava gostando do serviço, ele viu que estava difícil e me ofereceu pra trabalhar no armazém.  Eu disse minha leitura era fraca, e ele falou experimenta se não der volta pra aqui. Ele quis me tirar daquela fria que eu estava passando. Ai eu peguei o fio da meada do serviço e ele viu que estava se saindo bem com o negócio, estava desempenhando bem o papel me convidou para tomar conta do  setor da  empresa com 50 funcionários.  Aí as coisas foram melhorando e com oito meses que estava aqui aluguei uma casinha de madeira no pátio da rede em Ourinhos e   mandei buscar minha mulher e meu filho em Portugal. Depois  vieram mais meu cunhado    minha irmã e meu sobrinho.

O velho balcão, estufa e baleiro, José Domingos e João Antonio.

Como surgiu o “Bar do Português”?

Eu trabalhei nos trens durante onze anos, o patrão tinha falecido a empresa estava nas mãos dos filhos e eles queriam me mandar pra Curitiba, as coisas tinham mudado muito o trem já estava em decadência então eu pedi demissão e comecei uma nova vida. Abri um buteco alí  na rua Paraná em 1968  e fiquei naquela vida durante 41 anos. No começo foi meio complicado foi difícil porque depois de seis meses minha esposa faleceu, eu já tinha 3 filhos, mas com o tempo foi melhorando através de muito trabalho meu e do meu filho Toninho.

O bar “Lusitano” com o tempo virou tradicional por causa da gostosura dos salgadinhos que vendia, qual era o segredo?

Era a curiosidade, sempre alguém tinha uma receita diferente então ia experimentando. Sempre tinha alguém que falava fulana tem uma receita de coxinha muito boa, o outro fazia um pastel assim uma esfiha muito gostosa e assim foi .  Já o bolinho de bacalhau era receita nossa de Trás dos Montes e passou a ser o chamariz. E agente sempre queria vender um produto de qualidade e então o bar caiu no gosto do povo, por alí passou  vária gerações , o pai frequentava os filhos vieram e depois os netos dos fregueses antigos.

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