Anos de Chumbo – o canto de fogo dos dominicanos
Anos de chumbo
O canto de fogo dos dominicanos
João Teixeira*
“A prisão não deve ser motivo de vergonha mas de orgulho”.
O frei Betto estava de moral alto na cadeia.
“Feliz pela grande graça que o Pai concedeu de viver na carne o mistério redentor de Jesus que, por amor á Justiça, foi perseguido, preso e condenado”.
Sua prisáo era um sinal para a Igreja Católica no Brasil. Desígnio de Deus.
O envolvimento de religiosos na subversão, no final dos anos 1960, escancarado nas horas que antecederam o cerco e fuzilamento de Carlos Marighella, foi um escândalo internacional.
A ditadura civil-militar (1964/85) não permitia a paz interior do cidadão.
A violência desarmónica prevaleceu na vida nacional, do “cada um por si e Deus por todos” (lei de Murici), em que cada um cuidava de si, no egocentrismo feroz e um Deus idealizado, distante, indiferente, esquecido. Idealizado.
Naquela altura do campeonato, o regime dos generais já haviam perdido o apoio de parte da burguesia e da Igreja (católica), sustentáculos do golpe em 1964.
O Ato Institucional (AI) 5 foi um divisor de águas.
Em O Reacionarismo Militar, José Wilson da Silva escreveu: “…os principais componentes dos grupos de extrema-direita no Clero encontram-se na mais alta hierarquia da Igreja, provenientes de famílias antigas e conservadoras…os padres que no passado e no presente orgulham o Evangelho teriam ficado petrificados com seus colegas fascistas que ajudaram na implantação da Redentora”.
Os dominicanos, então, decidiram ser criadores ao invés de criaturas oprimidas, indefesas, vitimizadas.
Resolveram projetar a realidade ao invés de sujeitar-se a ela.
As religiões, durante muitos séculos, incentivaram a fé e a crença nos poderosos, nas classes dominantes.
Laurentino Gomes: “…a Igreja participou e lucrou do tráfico de escravos e do trabalho cativo até o final do século XIX, até as vésperas da Lei Áurea. A Igreja nunca se pronunciou de forma categórica contra a escravidão (negra). Ao contrário, todas grandes ordens religiosas do Brasil, os jesuítas, carmelitas, beneditinos, franciscanos, eram donos de grandes plantéis de escravos”.
O papel da Igreja na escravidão é tema sensível e a maior contradição entre o Evangelho de misericórdia, de amor e acolhimento.
Como os apóstolos cristãos na Roma Imperial, os religiosos foram perseguidos, presos, torturados, caluniados e incompreendidos por causa de Jesus.
A Teologia da Libertação fez mártires em toda América Latina, nos anos de chumbo, como D. Óscar Romero, arcebispo assassinado, em El Salvador; ou o padre-guerrilheiro Camilo Torres, da Colômbia.
A Igreja progressista brasileira, talvez pela extensão do País e o número de miseráveis, esteve á frente das demais na luta social.
“No canto da Fogueira quem canta é a liberdade nascida no coração de quem convive com o Deus vivo e libertador”.
Após terem passado duas semanas numa cela comunitária no Dops, os freis dominicanos, da Ordem de São Domingos, cumpriram pena no Presídio Tiradentes.
Frei Betto: “…orgulho-me de participar hoje, na carne e no espírito, da mesma situação vivida por aqueles que lançaram as sementes do Evanfelho”.
Em fevereiro de 1970, os religiosos cumpriam suas penas entre 50 condenados. 13 dormiam no chão.
“Nunca rezei tão bem e com tanta profundidade” – anotou frei Fernando. Eram sete dominicanos; um jesuita; dois seculares; um ex-dominicano; um ex-beneditino; e incontáveis cristãos. Estavam proibidos de rezar missas ou serem visitados por bispos.
Palvras-chave: anos de chumbo; religiosos perseguidos.
*João Teixeira, jornalista e escritor, é membro do Conselho Editorial do Jornal Contratempo.