A fotografia e a verdade – Parte 3-4

Seguindo com a reflexão, inicio agora a analise sobre as verdades e seus regimes.

 

2ª Seção – Criação de Verdades (Universais ou Individuais)

 

Verdades aqui se encontra no plural, pois trataremos de dois regimes de verdade. A verdade universal, tal como os documentos, que são aceitos por todos, ou quase todos de seus observadores como verdade absoluta, incontestável. E a verdade individual, aquela que não tem a pretensão de documento, ou que o significado pro observador seja o mesmo que para o criador. A verdade individual nada mais é que a intenção do criador, do artista, que se expressa dessa forma coerentemente `a suas próprias ideias, métodos e processo.

 

Verdades Universais

 

Não há no mundo o absoluto. O eterno ou idêntico. Ideias são assim também, salvo aquele 2+2 são 4, as verdades mudam, o conhecimento se renova, novas perspectivas são encontradas. O que confere veracidade a algo? A clareza sobre o processo onde tal verdade é fundamentada e difundida é primordial. Métodos científicos são adotados para dar credibilidade ao resultado. Documentos em geral respeitam regras e normas próprias para sua composição. A exemplo dos documentos de identidade. São várias as informações componentes deste documento, que tem a intenção de nos identificar, de nos catalogar segundo os critérios determinados pelo articulador do processo. Tais documentos contém além da imagem fotográfica do indivíduo, seu nome, sua filiação e a data de registro do seu nascimento. Para todas essas informações pode o acaso vir a encontrar homônimos, irmãos de mesma filiação e até irmãos gêmeos – de quem será o retrato no documento? A verdade universal é validada aos seus observadores pelo processo que a gerou. Que a verdade não se capta, não é doada, mas se constrói, diz André Ruillé em sua análise sobre O Verdadeiro Fotográfico. Aquele que tem compreensão e domínio sobre o processo pode muito bem orquestra-lo a seu interesse. Essa manipulação do processo da verdade pode ser encarada como atitude imoral, pressupondo respeito ao processo e a tudo a que ele está ligado. Reordenar o processo está fora de cogitação, quebra-se a construção da verdade, aquele que por ventura o fizer com um documento de identificação, será processado pelo  Estado, pois aquele que criou este processo de criação da verdade do documento de identidade, também criou um processo de corrigir e punir aqueles que não o seguem. O risco que um cientista tem ao utilizar regras próprias, é de que seus resultados, talvez, não satisfaçam os observadores ou os controladores do processo. Não tendo assim confiança, não tendo assim uma verdade no seu resultado. A verdade para ser aceita precisa de regras claras, porém, as vezes, claras apenas aos que se dispõe a agir sobre elas, e não a todos os que estão submetidos a elas.

As mídias e os jornais contemporâneos, salvo raras exceções, se colocam como arautos da verdade absoluta sobre os fatos cotidianos, se colocam como imparciais, subjugam seus observadores e os mantém alheios ao seu processo, isso tudo para que as informações veiculadas, inclusive imagens fotográficas, sejam recebidas e aceitas como verdades universais, e não como sua opinião (verdade individual) sobre o fato. Opinião esta que atende unicamente ao seu interesse, que corresponde ao interesse de seus parceiros e patrocinadores. Todos aqueles que como observadores não se questionam sobre o que ocorre entre o fato e a informação que chega até ele, está condicionado a manipulação e doutrinação por aquele que lhe oferece a verdade individual como universal. Aceitar passivamente tudo o que nos é veiculado é abdicar do dever de crítica. É conferir ao veiculador de tal verdade, um status de deus, onde tudo sabe, e seu saber é eterno, completo e plural, ou melhor, universal.

 

ps. A imagem que ilustra este post é um print que realizei de uma transmissão ao vivo de um tanque russo em invasão a estações do ISIS na Síria. Na imagem consta a data e hora da transmissão. Parece ser muito verdadeiro tudo isso, mas o que me garante essa verdade? a marca de ser “ao vivo”?

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