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A Educação na ponta das baionetas

A Educação na ponta das baionetas

Os golpes desfechados contra a Educação, a partir de 1964, sangram até hoje. O atual Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil, contra o desmonte da Educação pública, gratuita, de qualidade e acessível aos filhos dos trabalhadores, tem raízes profundas.
O entulho autoritário obstrui nosso avanço. As baionetas dos generais que assumiram o poder há 57 anos não atingiram apenas a classe trabalhadora, os ativistas sindicais, o movimento estudantil, os professores, cientistas, intelectuais, os militares e setores progressistas organizados que compunham o bloco nacional-reformista do presidente João Goulart (Jango).
O Estado militar reformulou o Sistema Educacional e impôs novos rumos na construção do Brasil Grande. Fomos derrotados – nós, os estudantes da geração 68 – na luta contra o Acordo MEC-Usaid que impunha padrões dos Estados Unidos no ensino que aos poucos foi sendo privatizado e passou a formar mão de obra para o mercado de trabalho.
Quantos protestos e passeatas organizamos, sob o manto da extinta União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e o tacão da polícia, pelas ruas do velho centro paulistano, contra o Acordo que hoje está plenamente consolidado. Para o bem e para o mal. Lutávamos por uma sociedade mais justa e menos desigual, por um Brasil mais brasileiro.
O planejamento educacional passou a integrar o “planejamento global” (económico) na reforma do regime tecnocrático e autoritário.
Os golpistas atrelados á elite orgánica do bloco das multinacionais e seus associados internos venceram a luta ideológica para esvaziar o valor nacional-reformista do Governo civil derrubado, do trabalhismo e das oposições em geral.
Perdemos feio. A política educacional pós-64 tornou-se a expressão da “reordenação das forças de controle social e político”, funcional para as necessidades do capital externo.
A educação superior, favorecida em relação á educação popular, passou a formar mão de obra mais qualificada para os altos escalões da administração e da indústria produtora de bens duráveis (automóveis, geladeiras, televisores) para o consumo da classe média.
A Constituição de 1967 incentivou a implantação de escolas privadas – pagas – em detrimento das Universidades públicas e gratuitas.
As perseguições, prisões, desemprego e o exílio de cientistas, artistas, professores e estudantes ativistas e intelectuais de renome esvaziaram o debate político e social com graves consequéncias.
O ensino, no Brasil, deveria “consolidar capital humano de forma a acelerar o processo de desenvolvimento económico”. Segurança Nacional e desenvolvimento.
A “Lei Suplicy” (1967) e o Decreto-Lei 477 (1969) puniam atividades políticas nas escolas e Universidades. Estudante devia só estudar técnicas, fatores, custos e análises comparativas regionais e internacionais de produção.
Professores e alunos passaram a ser meros fatores de produção na estrutura modrrnizante-conservadora no sistema de ensino do regime militar.
O conceito de educação mudou de forma radical. Transformou-se em capital humano que, devidamente investido, passou a produzir lucro social e individual.
A Educação deixou de ser um processo de transmissão de cultura geral da Humanidade, de conhecimento universal, tornando-se mecánico e específico, técnico, apolítico.
A Educação foi instrumentalizada para o indivíduo produtivo nas empresas. Para o povo em geral sobrou o Mobral, no sistema de máxima exploração salarial da força de trabalho
O Mobral, aliás, utilizou técnicas de alfabetização de Paulo Freire (cassado e exilado), desidratadas de seu conteúdo político e filosófico. Os professores de História e de Filosofia foram os mais perseguidos no regime de exceção.
Silenciado o movimento social e estudantil, a resistência armada eclodiu de forma quase natural, com os piores resultados.
Os estudantes de classe média – não os trabalhadores – foram maioria nas organizações armadas clandestinas dizimadas pelos militares. A rebeldia estudantil encorpou organizações como a Ação Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighella, após a queda do Congresso da UNE, clandestino, em Ibiúna, no dia 12 de outubro de 1968.
Eu, pessoalmente, perdi amigos idealistas, combativos e generosos, como Antônio Guilherme Ribas, do Colégio Brasílio Machado, dirigente da UBES e militante do PC do B, o “Ferreira”, assassinado na Guerrilha do Araguaia (1972/75).
A Natureza não dá saltos. O militarismo castrou a capacidade intelectual e política de gerações de estudantes. O resultado disso é a dramática situação que vivemos hoje. Creio que levaremos décadas para recuperar os direitos humanos que nos foram subtraídos.

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