Anos de chumbo Ruídos da brisa do mar

Os personagens dos anos de chumbo – a maioria, á esquerda e á direita, já partiu deste mundo; os sobreviventes retém fiapos de memória – não poderiam imaginar o teor das ameaças contra a democracia que teríamos de enfrentar neste século XXI.
Como poderia estar ameaçada a melhor forma de governo criada pelo Homem, exceto todas as demais?
Isso era inimaginável quando esboçava-se a Constituição Cidadá de 1988, esta que agoniza neste Período Antropoceno sob a égide neoliberal do Deus Mercado, que transforma a mercadoria em fetiche, que acaba com direitos e benefícios trabalhistas, os direitos civis e humanos, recompõe a escravidão pós-moderna e mata a própria vida, malbaratando os recursos da Natureza em atentados antropogênicas – cometidos pela mão do Homem -, em benefício da superexploraçáo do trabalho.
O Homem tornou-se uma força destrutiva da Natureza, como as enchentes, terremotos, vulcões.
E quem, nos mais alucinantes delírios, poderia supor que as multidões que clamavam por liberdade, direitos civis e a redemocratização, no fim do regime militar (1964/85), em meados dos anos 80, poderia um dia chafurdar na lama do messianismo autoritário mais estúpido e cruel, trinta anos mais tarde?
A análise politica e ideológica poderia ser a resposta a esse enigma intrigante, se cá entre nós houvesse crítica e autocrítica entre dominantes e dominados, o que não é o caso.
O rosto da verdade tem muitas faces.
O Homem esquenta o planeta, envenena as águas e o ar, depreda o meio ambiente e falseia a História em benefício próprio.
Quem sabe a chave do mistério estaria com outros deuses, as criaturas que nós deixaram, em outros planos? Quem sabe?
O fato é que, pelo sim e pelo não, sem filosofices, indagações metafísicas nem ilusões baratas, os militares exerceram com mão-de-ferro a perseguição aos cérebros suspeitos de “subversão”.
As pegadas da espionagem da CIA e da KGB, os símbolos da Guerra Fria, estão nas pesquisas que realizamos em arquivos, jornais, revistas, bibliotecas e documentos dos anos de chumbo.
As autoridades militares inflavam os números oficiais que transmitiam á Imprensa censurada, exagerando o perigo do anticonunismo, tíbia em tropas e poder de fogo, em busca de poder e autonomia operacional (verbas) dos órgãos de segurança.
A sofisticada engrenagem do complexo industrial e militar exigia pesados investimentos na indústria da segurança.
Após a Revolução Cubana (1959), Washington construiu um “cordão sanitário” na América Latina, para impedir o surgimento de uma nova Cuba que desequilibraria a geopolítica das superpotências.
Washington negociou isso com Moscou – o Brasil convertido ao socialismo seria a quarta maior revolução comunista mundial, depois da Rússia, China e Cuba.
O golpe civil-militar de 1964 eram favas contadas e Prestes, secretario-geral do PCB, foi orientado por Moscou para não reagir. Os golpistas eram maioria nos quartéis.
Os órgãos de segurança disputavam prestígio, poder e promoções na guerra interna.
As Forças Armadas renovavam tecnologias e equipamentos e vigiava os passos de jornalistas, artistas, cientistas, liberais e especialistas civis, em nome da segurança nacional.
As características de cada órgão da segurança militar foi comprovada na prática por um notável jornalista especializado em indústria bélica e aeronáutica.
Era o único jornalista brasileiro credenciado pela NASA para assistir aos lançamentos espaciais em Cabo Cañaveral.
O Jornal da Tarde publicava seus artigos assinados. Seus maiores leitores eram os órgãos de inteligência das Forças Armadas.
O Cenimar, o órgão de informações da Marinha, o mais antigo e secreto de todos, um dia o convocou para prestar depoimento em São Paulo.
Surpreso, o companheiro de redação percebeu que os interrogadores estavam bem informados a seu respeito, tinham a coleção de seus artigos publicados, locais que frequentava, nomes de pessoas e até as mulheres que lhe faziam companhia.
Sabiam de tudo e queriam mais.
Os interrogadores queriam saber de suas relações com o PCB. Nada tinha a declarar.
Deu sorte. Sofreu pressão psicológica, mas não física, porém a intimidação o deixou assustado.
“Isso fica aqui entre nós”.
“Tudo bem”.
A prática secreta do terror oficial.
Claro, pensou que o pior pudesse vir a acontecer.
Teve a clara sensação, na época, de que o Cenimar era o serviço de informação melhor e mais qualificado entre as três Forças, á frente do Exército.
A Marinha monitorava e capturava as pessoas certas, conduzia seus interrogatórios com método e técnica, sabia onde queria chegar. O Exército, não.
O veterano jornalista especializado na indústria bélica, setor em que o Brasil compete com os europeus, sabe que a História não acabou.
No Cone Sul, reconhece o espírito patriótico dos militares brasileiros, que sempre procuraram promover a transferência tecnológica e a nacionalização dos equipamentos bélicos.
Na Argentina, explicou, pelo contrário, os militares faziam compras aleatórias no exterior, sem preocupar -se em nacionalizar ou absorver tecnologia. Acabavam nas mãos dos fornecedores estrangeiros.
O bom jornalista mantém o discernimento nas piores situações.
Palavras-chave: golpe militar de 1964; perseguição a jornalistas; Imprensa censurada.
*João Teixeira, jornalista e escritor, é membro do Conselho Editorial do Jornal Contratempo.

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