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Entrevista Especial com o professor Maurício Saliba

Entrevista Especial com o professor Maurício Saliba

O Contratempo entrevistou nessa semana, o  Professor de Sociologia e Política da UENP e FIO, Mauricio Saliba. Confira a entrevista na íntegra:

  • Contratempo: Maurício Saliba, conte-nos um pouco sobre a sua trajetória educacional:

Sou graduado em história, uma parte pela UENP de Jacarezinho e outra pela UNESP de Assis. Fiz uma especialização em historia social pela USC de Bauru, depois mestrado em educação pela UNESP, depois cursei tópicos em gestão da educação pela UNICAMP e depois doutorado em educação pela UNESP de Marilia.  Mas no meu mestrado e doutorado, trabalhei com a questão do adolescente infrator. Isso resultou num livro, com o título “O Olho do poder: análise critica da proposta educativa do Estatuto da Criança e do adolescente” Editora da UNESP. Sou professor de cursinho há 20 anos e professor de sociologia e politica na Universidade Estadual do Norte do Paraná-UENP e do programa de mestrado e doutorado em Ciências Jurídicas; Professor concursado da Faculdade de Tecnologia de Ourinhos-FATEC e do curso de direito das Faculdades Integradas de Ourinhos-FIO.

 

  • No seu ponto de vista, qual é o papel da educação na sociedade contemporânea?

Essa é uma boa pergunta. Principalmente porque há um grande problema com a educação a saber: segundo o professor Alfredo Veiga-Neto,  a educação, no sentido formal, as escolas, nasceram no período das revoluções industriais e estavam conectadas a um projeto. O projeto escolar era de, além da transmissão dos conhecimentos básicos, preparar o homem para o mundo do trabalho, do trabalho repetitivo. Era necessário um homem disciplinado, no sentido foucaultiano, com postura de algo que se fabrica, permitindo que seu corpo seja modelado conforme as necessidades da adequação à máquina. Assim, a escola era fundamental para a sociedade industrial e estava conectada à essa sociedade. Hoje, a escola está desconectada da sociedade. Na sociedade atual não há mais a necessidade desse projeto disciplinar uma vez que as fabricas estão completamente robotizadas. Por isso, temos uma escola que não tem mais interesse e necessidade do projeto inicial da sociedade industrial, nesse momento pós-industrial. Assim, há uma desvalorização por parte da escola dos governos etc. Mas isso não quer dizer que ela não seja importante para um outro projeto, para um projeto popular, de transformação social. Nesse ponto, ela ainda está conectada. A escola precisa, além de transmissão das ciências e do conhecimento, estimular a participação democrática, a vontade de participar das decisões e de capacitar os indivíduos à emancipação, no sentido de guiar sua vida de forma independente e livre. Além de tudo isso, acredito que a escola ainda é o único lugar de dignidade para muitos meninos e meninas pobres.

  • Contratempo: Nos últimos anos o ensino a distância tem crescido no Brasil e no Mundo, como observa esta tendência?

Acho que é uma tendência sem volta. O ensino à distância vem crescendo principalmente por uma questão de custos. O sistema capitaliza tudo. Se por um lado essas ferramentas tecnológicas podem trazer mais conhecimento e permitir acesso de mais pessoas, por outro lado torna-se um instrumento de se baixar custos, de se demitir professores e se aumenta os lucros. Isso desvirtua completamente sua finalidade. Além disso, como dizia Paulo Freire, escola não é só tijolo, escola é gente. Acho que o mais importante da escola são as relações humanas o que à distância fica prejudicado pela solidão e individualismo presentes. Mas acredito que seja uma tecnologia importante para a socialização do conhecimento. Somos a sociedade da informação, mas não do conhecimento. As tecnologias digitais precisam se utilizadas como forma de produzir conhecimento. Nossos alunos precisam saber como transformar informações em conhecimento. Acho que esse é nosso grande dilema na atualidade.

Contratempo:  Há a possibilidade de se ter escolas sem partidos? O que esta ideia representa?

Essa história de escola sem partido é uma grande paranóia. Primeiro: Você percebe que não existe um educador de peso que sustente essa ideia. Quem a defende são leigos na educação que, na minha opinião, não tem legitimidade para falar do assunto. Segundo: Desafio os defensores dessa ideia a irmos num primeiro ano de qualquer faculdade da região, cuja maioria dos alunos são oriundos de escolas públicas e fazermos um teste, para verificarmos se são socialistas ou capitalistas; se defendem o socialismo ou a meritocracia etc.  Terceiro: quem vai julgar se um professor está sendo “neutro” ou não? Faremos um tribunal? O Juiz de direito vai julgar se conteúdo que ele ministrou era neutro ou adequado? Quem tem competência para isso? Terceiro: Parte do pressuposto que aluno é um idiota, ignorante que aceita tudo que o professor fala sem questionar. Os alunos de hoje não tem a escola como único veículo de informação, pois utilizam-se das diversas mídias sociais; questionam, duvidam e não aceitam qualquer coisa. Além disso, trazem na bagagem que sempre filtrarão as informações recebidas dos professores.

Contratempo:  Segundo pesquisas, se ocorresse uma eleição presidencial neste ano, tendo como candidatos Bolsonaro e Alckmin, haveria empate técnico. O que esta a acontecer com a nossa sociedade?

Primeiramente eu não acredito que Bolsonaro tenha chance. Nossa sociedade nunca aceitou radicalismo. Somos conservadores, mas o brasileiro tem uma tendência ao centro. Todos os candidatos procuram o centro. Lógico que vivemos tempos sombrios. A extrema direita tem crescido no mundo todo. Acredito que um dos motores da barbárie, dessa ideia do cada um por si, típica da extrema-direita é fruto do medo. Não tenho duvidas que o capitalismo passa por mais uma crise de acumulação, que na Europa gera a crise do “estado de bem-estar social”, provocando  medo e levando ao radicalismo e a ascensão do neonazismo. No Brasil, depois de um ciclo de prosperidade e crescimento, com distribuição de renda e benefícios sociais a crise mundial chegou e também leva ao medo. Esse medo, insuflado pela mídia para derrotar o governo petista, conduz as pessoas ao radicalismo. Portanto, é o medo da perda de certos privilégios por parte da elite e da perda das conquistas por parte dos setores médios que os levam a adotar o ódio nas mídias e apoiar candidatos conservadores que prometem o retorno da “ordem” por meio do combate aos inimigos. Bolsonaro tem um discurso infantil, da luta do bem contra o mal, uma linguagem fácil e pueril que vai ao encontro de pessoas sem capacidade de resistência à essa arenga.

 

Contratempo: A utilização de Whatsapp, Facebook, Instagram e similares esta aumentando. Acredita que estamos sendo mais vigiados e adestrados neste século do que nos anteriores?

Quanto à vigilância não tenho duvidas. Estamos vivendo uma mudança de era. Saindo do que Foucault chamou de sociedade disciplinar para a sociedade de controle. Somos controlados e vigiados o tempo todo. O termo “sociedade de controle” foi aplicado por Deleuze ressaltando que todos os ambientes fechados estão em crise e transformação: escola, família, fábrica, hospital e prisão.

Mas, se a disciplina no sentido de controle do corpo está em queda por conta do desmonte desses ambientes fechados, o controle e a vigilância estão em alta. A sociedade atual é pós industrial, portanto, prescinde de mão de obra disciplinada, mas necessita do aumento do controle e da vigilância. Lembremos de um conceito foucaultiano de que o poder só se sustenta porque nós o desejamos; a vigilância só acontece porque ela nos dá prazer. Vivemos postando informações, selfs, fotos e demais informação que permite toda forma de controle.

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