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A vitória de Trump: Se fosse no Brasil seria uma vitória da esquerda?

A vitória de Trump: Se fosse no Brasil seria uma vitória da esquerda?

Aqui no Brasil a vitória de Donald Trump foi noticiada pela grande imprensa monopolista como algo absolutamente desprovido de lógica, como se, de repente, quase a metade do eleitorado estadunidense tivesse surtado. Vários comentaristas destacaram, reiteradamente, a opção dos estadunidenses pelo discurso racista de Trump, esquecendo, entretanto, que estes mesmos eleitores, nas eleições anteriores, elegeram e reelegeram um negro e descendente de imigrantes para a presidência da república. Pior, noticiaram a eleição de Trump como uma ameaça para todo o planeta.

A realidade é bem outra. Trata-se, na verdade, primeiro, uma nova gigantesca derrota dos grandes meios de comunicação dominantes por lá (foram duramente atacados por ele durante toda a campanha) e significa também que a velha bicefalia entre conservadores e democratas foi arranhada. Contraria ainda os interesses da globalização.  É preciso entender que desde a crise de 2008 – da que ainda não saímos – nada mais é igual em lugar nenhum do mundo. Os cidadãos estão profundamente desencantados. A própria democracia representativa vem perdendo credibilidade. Aqui no Brasil, pudemos observar comportamento semelhante nas últimas eleições, com elevado número de votos não válidos e, muitas vezes, com a escolha de candidatos que praticamente negaram a política durante a campanha.

O que ocorreu, de fato, é que Trump, com seu discurso direto, sensibilizou os setores mais populares do eleitorado. Trump usou forma e tom diferentes do habitual dos políticos estadunidenses, o que conferiu a ele um caráter de autenticidade. Seu discurso violentamente anti Wall Street seduziu os eleitores mais empobrecidos pelos efeitos da globalização econômica. Trump não é um ultradireitista convencional. Ele é um conservador de extrema direita. Trump não é um antissistema e não representa uma censura ao modelo político em si, mas sim aos políticos profissionais. De forma emocional e espontânea, ele falou para os eleitores cansados da velha política e prometeu honestidade, pessoas novas e novas atitudes na condução do país.

Quem se der ao trabalho de analisar mais de perto o programa completo do candidato republicano e comparar com o governo Temer vai descobrir diferenças fundamentais, ignoradas e silenciadas pelos grandes meios de comunicação aqui no Brasil. A seguir apresentamos um pequeno comparativo entre as propostas de Trump (os dados foram retirados de Inácio Romanet publicado em Carta Maior) e as medidas tomadas pelo governo Temer.

Para começar, Trump defendeu abertamente, isso a mídia não perdoa, que se ataque de frente o poder dos oligopólios da comunicação. Em uma mensagem por twitter, já na reta final da campanha, escreveu que “se os repugnantes e corruptos meios me cobrissem de forma honesta, e não injetassem significados falsos nas minhas palavras, eu estaria vencendo a Hillary por 20%”. Temer, ao contrário, chegou ao poder levado por um golpe, em grande parte, orquestrado e liderado pelo oligopólio de nossa grande mídia. E, ao assumir o poder, para pagar a conta, em uma de suas medidas iniciais elevou as verbas de publicidade em, (pasmem!), 2.780%.

Trump criticou a globalização econômica, convencido de que esta acabou com a classe média e lembrou que, nos últimos quinze anos, mais de 60 mil fábricas tiveram que fechar as portas nos Estados Unidos, fazendo cinco milhões de empregos industriais desapareceram. Já o governo Temer, de forma autoritária, está entregando os ativos do país. Uma de suas primeiras medidas foi retirar da Petrobras o controle da exploração do pré-sal. Em seguida destruiu a indústria naval ao determinar que a Petrobras voltasse a encomendar navios no exterior. Trump é um ferrenho defensor do protecionismo. Propõe aumentar as taxas sobre os produtos importados. “Vamos recuperar o controle do país, faremos com que os Estados Unidos volte a ser um grande país”, costuma afirmar. Por aqui, Temer e Serra, ao contrário, sonham desesperadamente com o alinhamento automático e querem escancarar nosso mercado, entregando completamente a indústria brasileira (junto vão os empregos) para lobos do capital internacional. Trump tem postura contrária aos ajustes neoliberais. E, em matéria de seguridade social, garantiu aos americanos com mais de 65 anos, vítimas da crise econômica de 2008, benefícios como a aposentadoria e o seguro público de saúde e ainda afirmou que diminuirá o preço dos medicamentos e que ajudará a resolver os problemas dos “sem teto”. Prometeu ainda que os pequenos contribuintes, 73 milhões de lares modestos, terão menos imposto federal. E o Temer? O Temer, com sua ponte para o futuro (ou para o abismo?), quer elevar a idade mínima da aposentadoria, reduzir os reajustes do salário mínimo e, com a PEC 241/55, congelar por 20 anos os já insuficientes recursos para saúde, educação, assistência social e para o financiamento dos pequenos produtores, rurais e urbanos. (Enquanto escrevia esse artigo, recebi a notícia de um corte brutal nos recursos para financiar a agricultura familiar, que produz 70% dos alimentos que consumimos e gera milhões de empregos Brasil afora).

Trump propõe ainda aumentar significativamente os impostos dos corretores da bolsa, que ganham fortunas. Ele apoia o restabelecimento da Lei Glass-Steagall (aprovada em 1933, em plena depressão econômica da época) com o objetivo de elevar os impostos de quem não produz. Obviamente, todo o setor financeiro se opõe absolutamente a esta medida. Temer, por seu lado, entregou o Banco Central e o Ministério da Fazenda para a banca (banqueiros e rentistas) que estão ditando os rumos da atual política neoliberal suicida e ultrapassada. Enquanto faz cortes que afetam duramente a qualidade de vida do povo mais pobre, garante, a qualquer preço, a remuneração dos rentistas (menos de 1% da população), que consomem 40% do orçamento da União. O triunfo de Trump não se deve, portanto, aos preconceitos. Deriva, isto sim, de seu compromisso com a defesa dos interesses do povo dos EUA.

Temer, por não ter a legitimidade das urnas, nem compromisso com o Brasil, vai na contramão, implementando, sustentado no acordo fisiológico com o Congresso, uma política neoliberal e entreguista, reconhecidamente lesiva aos interesses nacionais. Feitas as comparações, ficam as perguntas:

Quem, de fato, ameaça os brasileiros e sua qualidade de vida?

Se estamos de acordo que Trump é um conservador de extrema direita, que adjetivos usaríamos para Temer?

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