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A miséria do debate sobre a criação de empregos em Ourinhos

A miséria do debate sobre a criação de empregos em Ourinhos

Por Luiz Alberto Marques Vieira Filho*

 

Toda eleição em Ourinhos é a mesma coisa. Os candidatos falam muito sobre a geração de empregos e melhoria de salários na cidade. No entanto, é espantosa a miséria e falta de massa crítica nas propostas. Como resultado, os grupos políticos se alternam no poder e quase nada é entregue em termos de resultados. Os ourinhenses ao longo das décadas são obrigados a lutar cada um por si por sua sobrevivência e os salários são muito mais baixos que em cidades como São Paulo, Campinas ou São José dos Campos.

A grande e fracassada aposta é na capacidade de atrair empresas de fora. Do lado objetivo, supõe-se uma superioridade logística a Ourinhos. Já do lado subjetivo, bastaria a vontade política do prefeito de conversar e atrair empresários de fora. Um diagnóstico porco desse produz soluções porcas e, consequentemente, resultados infames.

A suposta logística da cidade é melhor do que a de Assis ou de Santa Cruz do Rio Pardo. Até serve para empresas que mirem o mercado regional, mas é absolutamente inútil para empresas que tenham o mercado nacional como objetivo. Ferrovias e estradas são presentes em Campinas e Sorocaba. Quem trocaria o mercado paulistano com 20 milhões de consumidores pelo acesso ferroviário a Londrina? Sorocaba e Campinas estão tão próximas a Curitiba quanto Ourinhos, mas estamos muito mais longe dos 10 milhões de consumidores do Rio de Janeiro.

É por isso que não basta a vontade política do prefeito para atrair empresas nos setores mais dinâmicos da economia. Os políticos ourinhenses jamais foram membros da grande burguesia nacional, não fazem parte dos conselhos da CNI ou FIESP e não colocam seus cavalos para correr no Jóquei Club de São Paulo. Mas nem mesmo esse relacionamento próximo seria suficiente para superar os entraves de uma logística pior do que a dos maiores centros, a ausência de centros de pesquisa de ponta e a tradição de uma mão de obra qualificada nos setores das indústrias de origem.

Assim, se produz um fiasco na atração das empresas de fora. Algumas empresas industriais de atuação regional se instalam na cidade, mas o grosso é no comércio, substituindo os empresários locais pelos de fora. Nos anos 80, o grande grupo supermercadista da cidade era o Tone. Agora, Pão de Açúcar, São Judas e Avenida remetem seus lucros para outras cidades. Pouco tempo atrás os ourinhenses comiam seus lanches no Giovani, no Autopark ou no lanchódromo. Hoje, enviamos royalties aos americanos do McDonald´s, Burguer King ou Subway. É duvidoso que atração de consumidores da região compense a perda do reinvestimento e consumo do empresário local na dinamização da economia de Ourinhos. Isso sem falar na substituição de fornecedores locais pelos dos grandes grupos. Muitas vezes um biscoito de polvilho que poderia ser fabricado na Vila Odilon viaja 400 km até chegar às gôndolas dos supermercados da cidade.

É espantoso que as populosas equipes dos políticos locais jamais tenham se debruçado com interesse e afinco sobre a literatura mundial do desenvolvimento econômico.  O professor Dani Rodrik da Universidade de Harvard tem apontado a importância dos processos de self-discovery (auto-descoberta) no desenvolvimento econômico. Esse processo consiste na descoberta de todo o sistema econômico de tecnologias correlatas que vão diversificando e ampliando mercados. Já Richard Nelson da Universidade de Columbia tem enfatizado o papel dos sistemas de inovação, tanto nacionais como regionais, na formação de trajetórias de evolução tecnológica. É muito mais que o papel individual de empresas isoladas, mas um arranjo de empresas locais, capacitação de mão de obra e atuação do Estado na formação de um sistema que promova a inovação tecnológica. Aqueles que pensam em termos simplistas de mais Estado ou menos Estado, mais iniciativa privada ou menos iniciativa privada, estão com uma visão infantil e anacrônica de como a pesquisa mundial em desenvolvimento e inovação tecnológica caminhou nos últimos 20 anos em grandes centros de pesquisa pelo mundo. A questão primordial é a forma que se dá a relação entre as empresas e entre as empresas e o Estado.

Ourinhos tem um exemplo bem sucedido (mas inacabado) de como funciona o self-discovery e os sistemas de inovação funcionam. A partir do pioneirismo da Tecnal nos anos 70 no setor metalmecânico de bens de capital para a indústria de beneficiamento de soja, surgiu todo um ecossistema de empresas correlatas como Alliance, SHW, Camachinho, CWA, Zanuto e outras. Formou um ecossistema de engenheiros que conhecem e desenvolvem a tecnologia na prática, executivos que conhecem seus mercados e mão de obra capacitada para o ramo de atuação. Do beneficiamento da soja, a tecnologia foi transbordando para equipamentos para ração animal e indústria sucroalcooleira.

Ainda há um sistema de indústria alimentícia em formação na cidade com a Marvi, Tecsabor, Force Nutrition, Café Jaguari e outras empresas. Mas esse ecossistema produtivo ainda não apresenta a mesma capacidade de simbiose do setor metalmecânico e é preciso aprofundá-la.

Mas esses sistemas produtivos e de inovação estão incompletos, mesmo setor metalmecânico, pela atuação anêmica da prefeitura que na prática se limita a doação de terrenos para novas plantas. A falta de suporte do poder público é tão grande que mesmo com o desemprego alto na cidade, empresários do setor relatam dificuldade em contratar fresadores, torneiros mecânicos e torneiros CNC. É preciso a criação de uma agência de desenvolvimento ligada ao gabinete do prefeito com diálogo com a APEX e BNDES, empresários do setor, demais áreas da prefeitura e toda a sociedade civil.

A nova agência de desenvolvimento deve articular junto ao setor privado os novos processos de self-discovery, ajudando a descobrir potencialidades e implementar os novos setores de sua diversificação. Nesse sentido, a participação em feiras industriais nacionais e internacionais com stands de Ourinhos é fundamental, tarefa que deve estar a cargo da futura agência, inclusive arcando com o custo dessas estruturas. A promoção de novos mercados em parceria com as empresas também deve ser uma das principais tarefas. Além disso, é fundamental mapear a rede de fornecedores das empresas ourinhenses, atraindo-os para a cidade ou os substituindo por empresas ourinhenses capacitadas por ações da agência.

No entanto, a tarefa mais árdua é compreender os desafios tecnológicos e de mercado que estas empresas estão sujeitas. A partir de um diagnóstico bem feito é possível redesenhar todo o sistema educacional e de capacitação de Ourinhos. 1 ou 2 aulas de inglês por semana na rede municipal de ensino são suficientes para os desafios de internacionalização dessas empresas? Ou são precisos 5 ou até mesmo 10 aulas por semana? Basta o inglês ou é preciso capacitar em espanhol e/ou mandarim? Qual a matemática fundamental para o desenvolvimento dessas empresas? Algébrica, matricial ou conhecimentos de matemática financeira para os negócios? Quais as matérias de física e química são mais importantes nesses processos produtivos? Os alunos conhecem a geopolítica dos mercados mais promissores dessas empresas? Se houver pretensão de exportar para a China, os professores de filosofia ensinam Confúcio e suas diferenças com o pensamento ocidental? Essas questões são fundamentais para readequar o sistema de ensino e fornecer capacitações para que essas empresas enfrentem com sucesso a concorrência e consigam diversificar sua produção para novas áreas.

Talvez o sistema de aulas em grandes grupos seja insuficiente para dar a fluência desejada aos alunos da rede municipal de ensino. Mas Brasília possui uma experiencia interessante com os CILs (Centro Interescolares de Línguas) que oferecem cursos de línguas em turmas reduzidas para os alunos da rede pública e toda a comunidade. Com centros como estes, seria possível também capacitar nas línguas estrangeiras estratégicas todos os funcionários dessas empresas, dos executivos que precisam viajar o mundo para vender os produtos ao pessoal do chão de fábrica para implantar projetos e oferecer manutenção pelo mundo.

A FIO e a Estácio já oferecem os relevantes cursos de engenharias e sistemas de informação em Ourinhos. Além disso, a Fatec oferece os cursos de Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Segurança da Informação e Ciência de Dados. Com certeza, são cursos importantes para o desenvolvimento do setor. Mas creio que uma parceria entre essas instituições, empresários e a prefeitura possa ser fundamental para focalizar os cursos nas tecnologias e processos essenciais. A contratação de professores com publicações nas tecnologias relevantes seria fundamental para a disseminação do conhecimento de tecnologias e processos estratégicos.

A manutenção do Campus da Unesp de Ourinhos é fundamental para o futuro da cidade. Além do curso de geografia, é tarefa essencial para a cidade a vinda das engenharias mecânica, mecatrônica e de alimentos, e do curso de ciências da computação. Posteriormente, é importante a pós-graduação stricto sensu para a produção de tecnólogas básicas essenciais ao desenvolvimento produtivo de nossas empresas.  Desta forma, teríamos pesquisadores e jovens profissionais capacidades nas áreas que permitiriam todo o desenvolvimento produtivo necessário para a geração de empregos em escala e qualidade sonhados pela sociedade ourinhense.

O desenvolvimento de qualquer sociedade é uma árdua e longa tarefa coletiva. Requer o envolvimento de sociedade e atuação conjunta do Estado e do setor privado. Mas não é exatamente o desenvolvimento econômico e emprego que o povo ourinhense pede há décadas e os políticos locais têm falhado sistematicamente? Certamente valerá a pena o esforço de toda remodelagem produtiva e social envolvida nessa transformação.

* Luiz Alberto Marques Vieira Filho é graduado em economia (FEA-USP), mestre em economia (UNICAMP) e doutorando em economia (UNICAMP).

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