MEMÓRIA DO ESPORTE – Perivaldo, o anti-Neymar Por João Teixeira
O exibicionismo luxuoso e a fortuna emolduram a efêmera carreira das celebridades do futebol pós-moderno, como Neymar, nosso garoto de ouro de estrela já meio apagada.
O esporte bretão, o fut paixão das multidões, o esporte coletivo das massas nascido nos pobres campos de terra das várzeas e jogado por trabalhadores rurais e urbanos, vagabundos, presidiários e lumpens em geral, continua empolgando multidões sob a égide neoliberal.
Agora, com nova roupagem e interesses, mais defendendo que atacando, dirigido por valores discutíveis e quadrilhas especializadas no suborno aos jogadores – o crime organizado sofisticou o que sempre houve -, na manipulação de resultados que rendem milhões para os apostadores ao redor do mundo.
As cifras estratosféricas de transferências e contratos nas transações das antigas colônias da África e da América do Sul para o milionário fut europeu chocam os mortais comuns.
Cá entre nós, a corrupção e os desmandos na velha Confederação Brasileira de Futebol (CBF), feudo de burocratas politiqueiros e oportunistas, vigoram sob os fantoches de corporações multinacionais.
Quem hoje é capaz de repetir a escalação de um grande time de futebol ou da gloriosa Seleção Brasileira pentacampeã mundial, como ocorria no passado?
A economia agroexportadorade alimentos, grãos e minérios também exporta nossa melhor mao de obra esportiva.
O Carnaval, o futebol e as festas populares, as genuínas manifestações do povo brasileiro, descaracterizados, tornaram-se vitrines de artistas e balcões de negócios, de “tenebrosas transaçoes”, como no samba do Chico.
Há quem discorde disso?
A “capacidade de distribuir poder social”, no conceito de Max Weber, anda em baixa nos estádios assolados pela violência e o racismo anti-negro.
A TV assombra no registro da transformação cultural neste “cabaré da globalização em que o Estado passa por um streap-tease”, segundo Hobsbawn.
Em nossa sociedade de classe e de castas, o exibicionismo ególatra e a fortuna passam longe de milhares de negros e mulatos tupiniquins, os marginalizados que historicamente só tem chances de ascensão social através da música e do esporte.
O fut reflete a destruição da base material nas pessoas e nos Estados de soberania e independência anuladas, da perda da autoestima e do desespero pelo futuro incerto, da classe política impotente e amorfa, em que o Estado-nação passou a ser um Estado de segurança para as megaempresas.
O Fantástico, da TV Globo, demonstrou isso cabalmente, há pouco tempo.
A chocante reportagem em torno de Perivaldo Lúcio Dantas (12/7/1953, Itabuna, BA – 27/7/2017, RJ), um dos maiores laterais-direito do futebol no Brasil, feriu as consciências mais sensíveis.
O formidável atleta negro, imponente e altivo, que jogou no Itabuna, Bahia, Ferroviário, Botafogo, Palmeiras, Bangu e, no exterior, Young Ekephants, perambulava como mendigo pelas ruas de Lisboa.
-…Paranaue, Paranaue, Paraná – o velho craque que perdeu a luta contra a vida, entre mulheres, bebidas e orgias, cantava como um feiticeiro pelas ruas onde vendia roupas como ambulante na Feira da Ladra.
Perivaldo, o “Peri da Pituba”, rápido, combativo e firme nos campos, na melhor linhagem de Djalma Santos e – dizem- melhor que Cafu na posição, jogou com Júnior, Sócrates e Falcão na seleção de Tele na Copa de 84.
Ganhou 2 títulos estaduais pelo Bahia e conquistou a Bola de Prata, da revista Placar.
Teve artigos de luxo, Rolex, patrimônio de R$ 200 mil.
Foi perdendo tudo na roleta da vida até acabar como morador de rua dormindo em cobertura de papelão.
Zico e Junior foram seus leais companheiros e patrocinaram sua volta ao Brasil, onde faleceu em 2017, no Rio.
O negro Perivaldo, como milhares de patrícios pobres, foi o reverso da medalha de Neymar.