Uma viagem ao Uruguai
No mês de maio desse ano, em uma quinta-feira, no dia 25, eu e meu amigo Casanova embarcamos numa viagem rumo ao Uruguai, nosso vizinho pioneiro na legalização mundial da cannabis, sendo o primeiro país a regulamentar a produção e distribuição da erva em todos os seus 19 departamentos. Essa viagem totalmente “On The Road”, toda de ônibus, ida e volta, no espírito “mochileiro”, já estava nos meus planos após ter me desligado de um emprego, vinha planejando algumas semanas cair na estrada, enquanto o Casanova tinha ido pela segunda vez dois meses antes. O foco da nossa missão foi mergulhar na cultura canábica e acompanhar o seu progresso, descobrir como o Uruguai está enfrentando problemas estruturais neste percurso, além conhecer melhor o segmento no mercado legal, o avanço no cultivo e consumo. No roteiro saindo de Curitiba passamos pela capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, em uma passagem rápida com destino ao extremo sul do Brasil, Chuí-RS. Depois de percorrer uma extensa quilometragem, quase um dia de viagem e várias paradas, finalmente chegamos na cidade com dupla nacionalidade. A fronteira Brasil – Uruguai é dividida apenas por uma avenida, comum a ambas cidades, no lado uruguaio chamada de Av. Brasil e do lado brasileiro Av. Uruguai. Uma fronteira aberta, sem muros, cercas e policiamento, onde as lojas do comércio em uma rua larga se tornam principais atrativos, e curiosamente encontra-se um cassino aberto 24 horas.
Chegando em Chuí, por volta das 21:00, procuramos um hotel simples para descansar somente uma noite e tomar um café da manhã no dia seguinte. Mas, assim que deixamos nossas mochilas no hotel fomos comer um lanche em um restaurante e logo após, uma ligeira caminhada na Avenida Brasil. Com um sorriso enorme no rosto falamos em voz alta: “AQUI PODE!”, com certo tom sarcástico e misto de ironia. Depois de uma boa noite de sono visitamos rapidamente a cidade, na qual cogitamos almoçar, porém, preferimos aproveitar para fazer um jogo da Mega-Sena em uma lotérica, afinal, estávamos no Chuí, na sequência fomos até uma casa de câmbio trocar um valor razoável em real brasileiro por pesos uruguaios. Naquele período 1 real estava equivalente a 8,50 pesos. Foi bom ter feito isso logo no começo da viagem, pois em Montevideo, capital do Uruguai, apesar de encontrar mais câmbios os valores variavam bastante. Tudo pronto, mochilas nas costas, compramos passagem de ônibus (novamente), para Punta Del Diablo, quase 30Km de distância, um povoado de pescadores ao lado do Parque Nacional de Santa Teresa, que fica também no Departamento de Rocha.
Passagens compradas e lá estávamos nós a caminho de Punta Del Diablo, mas antes, uma parada na Aduanas para dar entrada no país. Descemos do ônibus para nos identificar, documentos em mãos e um susto enorme. Cadê o meu RG? Na pressa de preparar minha bagagem peguei minha CNH (carteira de motorista), que alias, ainda por cima estava vencida, e lembrei que esqueci de pegar meu documento original com foto. E agora? O Casanova seguiu viagem em frente, enquanto eu voltava a pé até a praça no centro do Chuy. Inconformado e pensando na longa e cansativa viagem para chegar até ali, em nenhum momento cogitei voltar para Curitiba. Lá fui eu com cara de pau comprar passagem de novo para Ponta Del Diablo. Embarquei no ônibus e fiquei quietinho, sem falar nada e torcendo para ninguém me reconhecer. Em sua maior parte, os uruguaios fazem esse trajeto de ir até o Chuy para fazer compras, na volta, difícil alguém descer para se apresentar. Sorte minha paramos por pouco tempo e rapidamente o ônibus seguiu adiante. Pensei comigo mesmo: “Consegui, Uhuull”. Enfim, no Uruguai. Literalmente, “sem lenço e documento”.
Chegando em Ponta Del Diablo, eu e o Casanova tínhamos combinado de ir até a casa do Erik, um amigo que ele tinha feito na viagem anterior, para descansar e dormir uma noite. Mas com nosso desencontro no meio do caminho tentei encontrá-lo, sem sucesso. Foi bom, porque naquele momento tive que me virar sozinho, conheci um simpático casal de brasileiros em um mercadinho, eles me deram uma carona até um hostel a beira mar, em que tive o prazer de conhecer viajantes e mochileiros de diferentes países: Brasil (Porto Alegre, Curitiba, São Paulo), Argentina, Estados Unidos, França e Inglaterra. Logo percebi que em sua maioria, os turistas procuram pela cannabis para consumo social, mas com dificuldade no acesso aos cultivadores locais, acabam comprando de maneira ilegal com “dealers”, facilmente encontrados nos hostels pelos turistas afim de uma “ganja”. Diante disso, conversando com locais, alguns me disseram que acreditam que a venda legal para visitantes ajudaria de maneira positiva. Talvez quem sabe em um futuro próximo. No dia seguinte, um domingo chuvoso, fiquei na dúvida se ficava mais um dia em Ponta Del Diablo. Como já tinha aproveitado o dia anterior, de sol com muito vento, para conhecer um pouco melhor o vilarejo, e o Casanova tinha mandado logo cedo um áudio dizendo que estava na estrada novamente, resolvi seguir carreira. Próxima parada: Montevideo.
Na capital e maior cidade do Uruguai, sede do Mercosul, você pode fumar tranquilamente em espaços públicos, numa praça ou andando pela rua, embora, seja mais fácil encontrar pessoas carregando garrafas de água quente e cuia para tomar mate (nosso “Chimarrão”), principalmente no inverno. O primeiro país do mundo a legalizar a produção, distribuição e venda de cannabis sob controle, aprovado em 2013, na gestão do ex-presidente José Pepe Mujica, no Uruguai, pelo projeto de lei, o Estado assume o controle e regulação das atividades de importação, produção, aquisição, armazenamento, comercialização e distribuição. Contanto, mesmo com uma agência estatal, o Instituto de Regulação e Controle de Cannabis (IRCCA), ligado ao Ministério da Saúde Pública, responsável por emitir licenças e controlar a produção, distribuição, compra e venda, a medida com objetivo de diminuir a dependência em drogas mais pesadas, não incentiva o cultivo ou consumo, e com limitações na fiscalização, ainda enfrenta algumas barreiras nesse processo.
Em um dia de caminhada por Montevideo passamos em frente do Palácio Legislativo, a sede da Câmara dos Deputados e do Senado do Uruguai. Na mesma Av. del Libertador, uma repentina passagem pela unidade de biologia do Instituto de Professores Artigas, no ambiente acadêmico vimos um cartaz de uma palestra com debate sobre o uso de drogas e seus efeitos a partir da neurociência (campo de estudo do sistema nervoso e suas funcionalidades, estruturas, processo de desenvolvimento e alterações). Na instituição encontramos também uma manifestação contra a gigante da agroquímica Monsanto, pelo uso de agrotóxicos e produção de transgênicos (alimentos a base de organismos geneticamente modificados, produzidos e vendidos pela corporação). Com atuação e práticas mundialmente contra o meio ambiente e agricultores, além de manter envolvimento no submundo da política e dos exércitos privados, na mesma semana, dia 27 de maio, centenas de uruguaios participaram da Marcha Mundial Contra Monsanto, que em 2016 teve sua fusão com o grupo farmacêutico e químico alemão Bayer. Juntas, elas planejam sua penetração na indústria da cannabis visando sua legalização em outros países, com um enorme potencial lucrativo no mercado recreativo e farmacêutico.
No centro de Montevideo, pela Ciudad Vieja, alguns sebos e bancas com livros e revistas abordando o tema da legalização, o uso e cultivo legal de cannabis. Na terça-feira, dia 30, depois de uma longa andança pela Rambla 25 de Agosto de 1825, avenida até o Mercado del Puerto, ali bem próximo, aproveitamos para visitar a growshop JuanaGrow, loja com todos itens e materiais para cultivadores, da semente, estufas, solo apropriado, até os melhores fertilizantes para uma boa floração. Fomos muito bem recepcionados pelo jovem Joaquim, que trabalhava há dois meses na unidade no bairro do Porto. Ele nos mostrou as três estufas de diferentes tamanhos para demonstração, todas elas com temperatura ambiente controlada e iluminação adequada. Durante nossa descontraída conversa ele comenta bem humorado: “Tenho o melhor emprego do mundo. Posso fumar cannabis enquanto trabalho”. Confira o vídeo da entrevista (https://youtu.be/vNFSn4gM9Zg).
Durante nossa viagem, de aproximadamente uma semana, tentamos poupar ao máximo os gastos, nos hospedando em hostel e fazendo compras no mercado. Mas uma das grandes dificuldades foi encontrar bons restaurantes com preços razoáveis, por isso optamos em fazer compras em supermercados e comer lanches de rua na capital, muito bons por sinal, com vários molhos frescos (recomendamos). No total, gastamos cada um em torno de R$ 1.500,00 (incluindo passagem e hospedagem). Conseguimos economizar bastante. Porém, deixamos dois destinos de fora do roteiro, Punta del Leste e Cabo Polonio. Ficou para a próxima. Outro fator positivo foi andar (muito) a pé, para conhecer e sentir melhor o clima do país que me encantou particularmente pela sua simplicidade. Engraçado que quando voltamos vi a história de dois amigos também, que saíram de Curitiba rumo a Montevideo, de bicicleta, percorreram mais de 1,7 mil km de pedalada e gastaram R$ 2.200,00, em 22 dias. Muito louco, né? Confere aí no link a jornada do Hulyan e Pietro (http://gazetadopovo.com.br/viver-bem/comportamento/de-curitiba-a-montevideu-de-bicicleta).
Um dos pontos turísticos que acabamos não visitando em Montevideo foi o Museu del Cannabis (http://museocannabis.uy), “point” da rapaziada que curte fazer fumaça, programação que inclui eventos, encontros, palestras e oficinas de cultivo. Mas, se você estiver a fim dá uma conferida nas dicas de turismo do Smoke Buddies (http://smokebuddies.com.br/turismo-e-maconha-veja-5-dicas-para-curtir-sua-onda-no-uruguai), um excelente canal pra se manter informado sobre o movimento canábico. Durante o tempo que estivemos por lá, entre uma pesquisa e outra navegando pela internet, acabei conhecendo o canal do Henrique, um brasileiro que vive no Uruguai. Pra você que é fã de carteirinha da planta e entusiasta do cultivo, vale a pena checar. Inscreva-se lá no canal do YouTube: “EU, A MACONHA E UMA CÂMERA!” e acompanhe os vídeos com dicas preciosas (https://youtube.com/channel/UCJ0BHR-CR3rcXI4mfyXsurA).
Na volta de Montevideo para Chuí paramos outra vez em Punta del Diablo, por alguns minutos, apenas para ver o Erik, amigo do Casanova. O chileno Erik Olmos, de 61, mora e cultiva cannabis sativa há 22. Ele nos disse que fuma apenas maconha, desde os 12 anos de idade. No mês de abril ele teve sua colheita, após 7 meses, para consumo próprio. Enquanto isso, preparava suas pequenas mudas para a próxima floração. Assista ao vídeo que o Casanova gravou quando conheceu ele (https://youtu.be/gVEzuSRCsjk).
Sem dúvida, uma das melhores sensações de estar no Uruguai é poder fumar e cultivar, sem se sentir criminoso ou julgado por isso. Chega a ser bizarro pensar que no Brasil você poder ser condenado a anos de prisão, por uma planta incrível com vasto potencial econômico e fins medicinais, como se não houvessem problemas maiores que poderiam ser superados pela tolerância e debate sobre o uso de drogas. Mas a luta continua. “Caminhando e seguindo a canção”. Um dia chegamos lá. Fé!
Após quase cinco meses depois da nossa viagem estou com saudades. Quero voltar em breve, assim que puder. Ao passo que, por aqui, em terras tupiniquins, de maneira positiva a discussão sobre a descriminalização do plantio caseiro e uso medicinal ganha mais espaço na mídia e no Senado. E o Casanova? Caiu na estrada novamente. Uma hora dessas (17:30 do dia 30 de outubro de 2017), ele deve estar chegando outra vez no Chuí. Me disse que cansou da caretice do nosso país e foi desfrutar de uma vida sabática.
Leonardo Coletti, Jornalista e DJ Atualmente mora em Curitiba-PR Blogueiro nas horas vagas. Curta a página: https://facebook.com/blogdeadline