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Crônica: “Exortação de uma celebração na aldeia I – Por João Teixeira

Crônica: “Exortação de uma celebração na aldeia I – Por João Teixeira

COISAS DO BRASIL

Crônica: “Exortação de uma celebração na aldeia I – Por João Teixeira

“Luzes no Reino das Sombras”, título de filme, livro ou peça teatral de minha autoria, é um texto de conteúdo etno-antropo-filosófico.

Trata-se do monólogo de um hotchuá – o palhaço sagrado da aldeia indígena, exemplo modelar de seu povo encarregado de manter a alegria, a autoestima e a integridade cultural, que utiliza palavras, música, símbolos e colagens para transmitir a sabedoria de grandes pensadores que mergulharam nós mistérios da alma tupiniquim.

Através da voz deste ser mítico, o hotchuá, o palhaço sagrado, ecoam os pensamentos de Silvio Romero, Sérgio Buarque de Holanda, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Gilberto Freyre, Paulo Freire, Nelson Rodrigues e Rose Marie Muraro, filtrados pelo ser cujo super-ego declarado é o major Policarpo Quaresma, o personagem de triste fim na obra do escritor pré-modernista Lima Barreto (1881/1922), o funcionário público e militar nacionalista apaixonado que virou piada ao propor a adoção do tupi-guarani como língua oficial, no início do século XX, nos tempos do marechal-presidente Floriano Peixoto.

O poder do palhaço sagrado da aldeia equivalia ao do pajé (tuxaua), misto de sacerdote, profeta e curandeiro, representante da lei e do dogma da ancestralidade, guardião de segredos invioláveis só transmitido ao sucessor na hora da morte.

Cena 1:

Cenário tropical.

Palmeiras, bananeiras, pássaros e bugios em algaravia matinal.

A visão do escrivão da arma da de Pedro Álvares Cabral, em 1500, Pero Vaz de Caminha, assim como de outros visitantes europeus, mais tarde: as praias, o arvoredo, as barras dos ribeiroes, a luxúria da terra, indígenas em sua nudez natural, sorridentes e receptivos, propondo o diálogo.

O sol ilumina a Terra de Santa Cruz, o paraíso perdido de Humboldt.

(Música da Tropicália ao fundo).

“…viva a bossa, sa, sa, sa, viva a palhoça, sa, sa,sa…

(Voz de Caetano).

_ Ahhhhh! Precisamos afugentar o esquecimento do que somos para sair do Reino das Sombras em que nos encontramos!

O palhaço surge bradando, de tanga, cocar e fumando o cachimbo da paz, diante da assistência estupefata.

Os indígenas, em meio á bonança e abundância, viviam de forma generosa e igualitária.

_ Estamos aqui para despertar a consciência, abrir nosso terceiro olho da cabeça e elevar nosso orgulho e autoestima!

A terra Brasilis, ao sul do Equador, tinha cinco milhões de tupinambás, do Oiapoque ao Chuí.

Os estrangeiros a projetava como passado remoto ou futuro desejado, no perfil fascinante de Montaigne.

_ Cá estamos graças á energia cósmica e espiritual de muita gente, nossos antepassados, homens e mulheres guerreiros que lutaram pelo nosso povo através dos tempos!

(Voz de Caetano ao fundo).

“…o monumento é de papel crepom e prata, os olhos verdes da mulata se esconde através da grande mata…”

_ Nossa caminhada tem mais de 500 anos, mas hoje é como se fosse ontem, o passado aprisiona o presente!

O hotchuá dá duas baforadas no cachimbo, e repete, poderoso:

_ Precisamos sair do Reino das Sombras em que estamos!

A aldeia está assombrada com o discurso político, verdadeiro símbolo da arte, do utopista futurístico.

_ Nós, brasileiros, sofremos com a ignorância sobre nós mesmos. Ainda não nos descobrimos…

_ E, por que? Porque somos um dos maiores países do mundo, país continental com metade do território da América do Sul, 218 milhões de habitantes, sol, água, agricultura que alimenta o mundo com comida, diversão e arte, indústria, e ainda sofremos com o “complexo de vira-lata” de Nelson Rodrigues, nosso eterno complexo de inferioridade diante de outros povos.

O hotchuá deixa a sombra das palmeiras e assume o local iluminado do palco.

_ somos um povo integral, o mais miscigenado do planeta, e esquecemos nossas essências e temos dificuldade em dar valor a nossa identidade enquanto povo.

_ Estou aqui para virá-los do avesso, expor nossas entranhas, nossas tripas, fazer nossa autópsia!

Cena 2:

“… domingo é o fino da bossa, segunda-feira está na fossa, terça-feira vai á roça, porém…”

_ Somos o povo mais universal da Terra, o povo novo, é ficamos esperando que os outros digam isso, vivemos abandonados com a sociedade do século XXI, que como um cao vadio vive a lamber as próprias feridas.

_ não importa onde iremos chegar desde que não fiquemos parados neste lugar.

_ porque só exaltavam o meio-ambiente, o verde das matas, o amarelo do Ouro e das pedras preciosas, o azul do céu, o branco da paz e – o mais importante – esquecem de nós, o bravo povo brasileiro?

“… emite acordes dissonantes, pelos cinco mil alto-falantes, senhoras e senhores eles põem os olhos grandes sobre mim…”

_ Um país tão rico e poderoso jamais poderia ter esquecido e foi isso que nunca entendi e me deixa inconformado.

_ somente o sangue e a dor do autoconhecimento de nossa alma poderão resgatar nossa existência.

_ O homem transformou a tecnologia num brinquedo divertido, inesgotável e insaciável nesta civilização desinteressada pela alma humana.

“…viva a Bahia, da, da, da!”

(Continua).

 

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