Só sabão de coco é neutro

Em artigo publicado no “ilustríssima” do Folha de São Paulo deste último domingo (03/07/2016), Celso Rocha de Barros nos presenteou com uma interessante reflexão sobre a relação das esquerdas com a economia. Em resumo ele colocou que nos últimos governos petistas a política se sobressaiu à economia. O problema disso é que tudo passou a ser visto mais como uma questão de “poder” e menos de “técnica”. Assim sendo, desconsideraram as reflexões sobre ciclos, inflação e incentivos que grupos mais ortodoxos e heterodoxos já refletiram e teorizaram.

Barros argumentou que o PT surgiu num contexto de crítica ao marxismo ortodoxo e crise da União Soviética. Segundo essa linha, a economia não influenciaria e determinaria o restante da sociedade (cultura, religião, sociabilidades e etc.) como anteriormente se acreditava e defendia. A glasnost (abertura política) e a perestroika (abertura econômica), iniciadas por Gorbachev impulsionaram o desnudamento e a crítica a este conceito economicista, minando-o aos poucos.

Neste sentido, quando o PT emergiu no início dos anos 1980, a “bola da vez” era dizer, trabalhar e refletir a partir do pressuposto de que os embates políticos e ideológicos, juntamente  às visões culturais, religiosas e de gênero de cada membro da sociedade, poderiam nortear as opções econômicas a serem elegidas pelo governo, aplicando-as no Estado, através da administração e políticas públicas.

Percebe-se então que paulatinamente o discurso “técnico economicista” foi sendo suplantado por aquele do “poder político institucional”, de viés mais cultural. Segundo o autor em questão, este seria um dos motivos do fracasso do governo Dilma Rousseff na condução da economia. Grupos sociais e suas perspectivas influenciam economicamente, e isso não se pode negar. Existe luta de classes. A mídia é um ator de peso. Mesmo assim, existem técnicas e conceitos de gestão econômica que nunca podem ser substituídos ou manipulados para agradar a militâncias doutrinadas.

Se a economia é um campo de lutas, também o é de regras específicas. Infelizmente grupos tanto à direita quanto à esquerda incorrem sempre nessas práticas, conforme a ambição apaixonada e cega pelo poder, aumenta. Um dos exemplos mais recentes se deu com a Lei Rouanet (n°8.313/91) ao ser colocada em discussão através da operação “Boca Livre” encabeçada pelo Ministério Público e a Polícia Federal.

Muitos dos que criticaram Dilma Rousseff, dizendo que o discurso político petista atrapalhou, mascarando o rombo e o fracasso na condução da economia, também disseram que a Lei Rouanet só serviu para alimentar “artistas petralhas”, e que o Ministério da Cultura era uma grande “mamadeira” mantenedora de vagabundos. Quem repassa o dinheiro através da isenção fiscal não é o MinC, mas sim a pessoa física ou jurídica que escolheu “investir” em determinado projeto cultural. Se houve fraude e desvio de finalidade orçamentária, não será através da “satanização” da Lei n°8.313/91 (Rouanet) e do PT que a saída será encontrada, e o problema resolvido. Como disse Leandro Karnal: só sabão de coco é neutro.

André Rodrigues da Silva é licenciado em História, trabalha com Cultura e adora tocar bateria.

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