Cem anos sem solução – por Mário Ferreira
O presidente postiço (com minúscula mesmo) vai para Lisboa, segundo noticiado, para participar das cerimônias funerais do maior líder social contemporâneo de Portugal, o democrata socialista Mário Soares. A visita, considerando a biografia dos dois, parece até acintosa. É mais ou menos como se Donald Trump participasse das exéquias de Fidel Castro.
Mas, o escárnio não para por aí. Sabe quem vai pegar carona no voo e aproveitar para usufruir do bacalhau e dos fados na noite de Lisboa? Nada menos que o senhor presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o impoluto juiz Gilmar Mendes, sobejamente conhecido por suas polêmicas com os colegas e posições quase sempre alinhadas à direita. Nada demais, não fosse o fato de que o presidente ilegítimo é réu no referido tribunal. Simultaneamente, seguem no ar, bancadas com o dinheiro público, campanhas publicitárias avassaladoras para nos convencer dos “avanços” – para o passado – que vem impulsionando o atual governo. Aos estudantes, juram que a reforma do ensino médio, autoritária e excludente, será uma maravilha. Para os trabalhadores, a propaganda garante que os cortes em saúde e educação e o final da aposentadoria por tempo de serviço são o caminho para paraíso.
Entre uma propaganda e outra, a programação da Rede Globo apresenta alguns “especialistas do mercado” afirmando que a economia, apesar da depressão econômica e do desemprego recordes que vivenciamos, está no caminho certo. Enquanto isso, nossa sociedade pacífica, as “pessoas de bem”, seguem fazendo de conta que tudo é normal e fingem acreditar.
A situação toda me recorda Numa Pompílio de Castro, da obra Numa e a Ninfa (1915), de Lima Barreto, nosso melhor cronista de costumes. Nela, Lima Barreto descreve o personagem como um político oportunista e carreirista, membro de uma elite ciosa de suas vantagens e prerrogativas, cuja atividade política, intelectual, artística e científica tem por únicos objetivos: impulsionar carreiras e possibilitar sua entrada ao restrito clube dos privilegiados. Como se vê, Lima Barreto segue atualíssimo. Em 100 anos, mudamos muito pouco.