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Coisas das guerras

Coisas das guerras

Quem esteve na guerra não fala nela. Evita -se o pesadelo, o horror das insônias, pois seria sofrer em dobro. O herói de guerra de minha família era assim. Mantinha o mudo espanto diante do pesadelo real que havia vivido. José Teixeira de Souza, segundo sargento da Força Expedicionária Brasileira (FEB), veterano da Segunda Guerra Mundial (1939/45), era nosso herói. O internauta pode acessar sua página no Google, postado por sua filha, minha prima, Cyntia Teixeira, em que titio Dezim surge empunhando a metralhadora alemã com a qual combateu em Monte Castelo. Também lutou em Castelgandolfo, como sargento do Sexto Regimento de infantaria da FEB. Embarcou em 2/7/1944 e retornou em 18/7/45. Dos 25.344 combatentes que formavam o continente miscigenado – brancos, pretos, caboclos, amarelos e indígenas – 465 morreram em combate.

Nosso herói trocou o plangente violão de sua juventude por uma metranca na guerra contra o nazifascismo na Europa. As tropas aliadas – EUA á frente – combateram o Eixo (Alemanha, Itália e Japão). O sargento José Teixeira, como milhares de outros brasileiros, saíra do sertão com 19 anos, fugindo da seca brava. Acabou no Exército e nas forças que lutaram na pior guerra da humanidade: 50 milhões de mortos; 28 milhões de mutilados; e foi travada em todos continentes, direta ou indiretamente. Ás vezes, por insistência da família, o veterano contava alguma façanha, não por vaidade ou glória, que nem as medalhas que ganhou por bravura em combate ele gostava de exibir. Falava do horror meio constrangido. Como quando viu -se obrigado a metralhar – matar ou morrer – um soldado alemão que resistia com fogo pesado ao avanço da infantaria – linha de frente – brasileira, no interior de uma casamata, na montanha. Ao revirar o cadáver ainda quente, constatou que era…quase um menino. Os primeiros fios de barba surgiam-lhe no rosto.

No final da guerra perdida, graças á ofensiva do Exército Vermelho que libertou Berlim, Hitler recrutava adolescentes para a luta. O uniforme do Exército alemão era maior que seu corpo. “Guerra desgraçada” – praguejou. O sargento não chorava; tocava. Mas viu oficial com crise de vómito (paúra!) durante ataques aéreos. A FEB era força auxiliar dos países aliados – Getúlio Vargas negociou com os americanos por 40 milhões de dólares usados na implantação da siderúrgica de Volta Redonda, início da industrialização no Brasil – mas o major Teixeira- faleceu com esta patente – não se orgulhava disso: “fomos lá limpar a bota do americano” – desdenhava.

Na verdade, os soldados brasileiros sofreram a discriminação e o preconceito como povo inferior, por parte dos ingleses e americanos; os EUA colocavam os soldados negros atrás dos brancos, nos últimos contingentes, como prova da segregação racial. Os anglo-saxões, por seu lado, tiveram lições de solidariedade e fraternidade por parte de nossos soldados, além da bravura. Os americanos e ingleses preferiram enterrar ou queimar os restos da alimentação das tropas, a sobra da ração do soldado, ao invés de distribuí-los para os italianos, famintos, com Mussolini derrotado, o país destruído.

Os soldados brasileiros, generosamente, não só distribuíam sua comida com as pessoas, como as organizam em filas, dando prioridade à mulheres e crianças. Aprendemos a comer o alimento enlatado e a batata em pó do americano e retribuímos com gestos de humanidade. Tudo isso há apenas 76 anos. De volta ao luar do sertão, que ele tanto amava, nosso herói, titio Dezim, ao lado de sua vasta biblioteca – correspondia-se com o coronel ministro Jarbas Passarinho -, denunciou com todas as letras a agitação e o terror promovido por agentes da Polícia Federal contra o povo sertanejo no cerco final ao capitão da guerrilha, Carlos Lamarca, e seu fiel escudeiro, José Barreto, fuzilados pelas forças de segurança em 17/1971, em Ipupiara, um povoado vizinho, quase ás margens do rio São Francisco.

O major Teixeira faleceu em 4/12/99, aos 87 anos, porém, se vivo estivesse, tenho certeza, emprestaria seu apoio resoluto ao ex-comandante do Exército, general Edson Pujol, que chamou o abestado general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, Ás falas: “pó, quando Bolsonaro lhe proibiu de comprar vacinas, você devia ter pedido demissão. Obedecendo, você se ferrou, e nos ferrou (O Exercito) junto. Aliás, o Exército já está ferrado desde que o Inominável fez dele o avalista, sócio e cúmplice no (desgoverno) e no morticínio da pandemia.

O ex-“capitão do mato”, expulso do Exército (“mau soldado”, segundo Geisel) que agora age como monarca medieval dizendo ser “seu Exercito”, presenteou milhares de fardados com funções no Estado para os quais são despreparados. Como afirmou o relator da CPI da Pandemia, Renan Calheiros, o dia mais crítico da Covid 19, “o número de brasileiros mortos foi igual a todos que tombaram nos campos de batalha da Itália na Segunda Guerra”. O general-chefe da Casa Civil confessa que tomou a vacina “escondido” para “não criar caso”. Titio Dezim ia criticar toda essa esculhambação nas tropas. É bom que as novas gerações saibam que milhares de brasileiros sacrificaram-se em nome da democracia nossa de cada dia.

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