Apertem os cintos, o mercado assumiu o comando

por Mário Ferreira

Os últimos acontecimentos na política e na economia brasileiras traduzem de forma cristalina a completa falência da democracia. No Executivo, um presidente ilegítimo, cercado de corruptos notórios e históricos, entregou completamente o poder aos interesses do mercado.

Acuado pelas denúncias do Procurador-Geral da República, o presidente (atenção revisor, com p minúsculo) cuida apenas de barganhar a permanência no poder para escapar da Justiça. No Senado, a Comissão de Ética, com rapidez inédita, arquivou as denúncias por quebra da ética contra o senador Aécio Neves, legalizando de vez o uso das malas recheadas. Mas, a referida comissão foi ainda mais ligeira para abrir processo por infração à ética contra as seis senadoras que tentaram, heroicamente, resistir à aprovação pelo Senado da reforma trabalhista, que sepultou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Tudo certo, completamente de acordo com a ética prevalente no Senado, em sua maioria, composto pela fina flor da elite corrupta, medieval e escravagista que explora o Brasil desde o início. Na Câmara dos Deputados, a Comissão de Constituição e Justiça recusou-se a conceder autorização para que o Supremo Tribunal Federal investigue o presidente da República que foi gravado negociando a pequena mesada semanal de R$ 500 mil com a JBS, do Joesley.

É importante lembrar que esse, até há pouco, havia sido o patrão do todo poderoso ministro da Fazenda, o ex-presidente do Banco de Boston, Henrique Meirelles, principal responsável pelo atual ajuste fiscal neoliberal que está destruindo o que sobrou da indústria brasileira depois da operação Lava Jato e do fatiamento da Petrobras.

A partir de agora, portanto, investigação só para os casos das malas com mais de R$ 500 mil, sendo permitida apenas uma por semana. No Judiciário (o mais caro do mundo), a jurisprudência continua mudando ao sabor das conveniências. E, observando as decisões, parece que as condições para alguém ser condenado ou, pior, ser mantido preso sem condenação, são duas: ser pobre ou contrariar os interesses políticos da Casa Grande. É nesse contexto que ocorre a condenação, em primeira instância, do presidente Lula.

A sentença, não por acaso publicada no dia seguinte ao da aprovação da demolição trabalhista pelo Senado, estranhamente, não confisca o suposto objeto do crime, o mais famoso triplex da OAS. Ressalte-se, ainda, que a referida sentença tem recebido fortes críticas de juristas e professores de Direito, assim como da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro.

Tudo devidamente transformado em uma grande novela e um espetáculo pela grande mídia liderada pela Rede Globo. É só lembrar-se dos vazamentos seletivos e das monumentais operações da Polícia Federal transmitidas ao vivo, muitas vezes exibindo um verdadeiro aparato de guerra, para prender e expor pessoas desarmadas, algumas absolvidas depois pela Justiça. Os fatos mencionados apresentam em comum apenas os interesses do “mercado”, essa entidade abstrata endeusada pelos defensores do neoliberalismo e propagandeada diariamente no noticiário da grande imprensa. Mas, afinal, quem comanda o tal mercado? O termo “mercado”, na verdade, é um nome novo para a velha Casa Grande que explora o Brasil desde as capitanias hereditárias. São as cerca de 70 a 80 mil pessoas mais ricas do país, com rendimentos mensais superiores a R$ 200 mil, que especulam muito e pagam quase nada de impostos.

São principalmente os donos dos meios de comunicação, os rentistas, os banqueiros, os grandes proprietários rurais e urbanos e os altos executivos de empresas transnacionais e fundos de investimento (mais especulação que investimento). É esse dito “mercado” que fica, de saída, com 40% do orçamento do governo federal pagos a título de juros de uma dívida pública contraída de forma nebulosa, além dos esquemas para não pagar impostos e obter o “perdão” de dívidas (os famosos REFIS), sem falar da sonegação de impostos, que é estimada em torno de 30% do produto interno bruto.

Do outro lado, os demais brasileiros, os 14 milhões de desempregados, os 61 milhões de inadimplentes, retirados do mercado porque perderam o crédito depois de serem esfolados pelos juros mais altos do mundo, os 47 milhões de brasileiros que ganham 1 salário-mínimo por mês, os milhões de pacientes que aguardam exames e tratamentos nas filas do SUS, os pequenos e médios agricultores e empresários, sufocados pelos juros e pela recessão que reduzem dia a dia o mercado interno… Esse é o quadro que coloca o Brasil como uma das maiores concentrações de renda do planeta. E, goste-se ou não do PT, do Lula e da Dilma, eles lideraram governos que ousaram, ainda que timidamente, arranhar os privilégios do mercado, minorar a miséria do povo e defender os interesses nacionais.

A partir do golpe, o mercado que já havia dominado o Congresso, comprando a maioria entre os deputados e senadores, a partir do financiamento lícito ou ilícito de campanhas e de outras negociatas, tomou de assalto também o Executivo. Tudo devidamente apoiado por um conluio com a grande mídia e com parte dos privilegiados da alta burocracia estatal, especialmente do Judiciário. A disputa, portanto, é política e, sobretudo, econômica. Atualmente, o mercado assumiu completamente o comando do País. A Casa Grande cuida apenas de seus interesses e não tem o mínimo compromisso com o Brasil. Aliás, muitos de seus membros sequer moram no Brasil. Para chegar ao poder suspenderam a democracia. Para manter o poder, não hesitarão em cancelar ou manipular as próximas eleições. Para o povo, cabe a resistência ao assalto a seus já parcos direitos e a defesa intransigente da democracia, com eleições gerais e diretas, sem manipulação e sem a inaceitável exclusão do maior líder popular de nossa história, o presidente Lula. O julgamento de Lula é político, e na democracia os julgamentos políticos devem ser feitos, obrigatoriamente, pelo voto. Ao povo resta ir para as ruas, resistir e restaurar a democracia, ou simplesmente apertar o cinto.

Mário Ferreira é biólogo, farmacêutico bioquímico e empresário, tem MBA em Administração de Empresas e foi candidato a prefeito de Ourinhos nas últimas eleições.

 

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