“Coisas de Moleque” na crônica de Jair Vivan Jr.
Acho que era coisa da minha geração, mas a gente vivia atrás e por trás de alguma maldade, de apertar campainhas e sair correndo a quebrar vidraças e lâmpadas, invasões a imóveis semiabandonados, furtos de frutas em propriedades privadas e às vezes até de pequenos animais, “como galinha”, por exemplo, com o perdão do trocadilho, comia mesmo rs., assava no mato e mandava ver ali mesmo. Salvo a gravidade da subtração indevida que caracterizava certo delito, tais maldades eram vistas como perdoáveis, coisas de moleque.
Latinha com mijo em cima do muro, amarrada com uma linha transparente atravessando o caminho, que quando cruzado levava-se o banho, independente de quem fosse às armadilhas eram diversas e às vezes traziam consequências desagradáveis, mas faziam parte.
E ia além, era ferro na boneca, um ferrando o outro com brincadeiras que até machucavam, como a “paulistinha” (joelhada na cocha), a “cama de gato” um ficava agachado atrás de outro que seria empurrado por um terceiro causando o tombo, apertão no nervo do ombro, soquinhos no braço com o dedo pai de todos dobrado e na dianteira, causando dores insuportáveis e assim ia, a coisa era bruta, quem não aguentasse não frequentasse a roda.
Além de ter que provar que era digno de pertencer ao grupo, uma das provas da qual tive que me submeter, mantendo até hoje, mesmo que sutilmente uma das cicatrizes do triangulo que cravei em minha mão direita, foi a do “mosquitinho”, que consistia em queimar um palito de fósforo até virar um carvãozinho, fincar na pele, acender e deixar queimar até apagar incutido na pele, causando uma queimadura que evoluía para ferida e deixava a cicatriz, não era mole, o segredo era fechar bem a mão e aguentar firme ali na frente de todos fingindo que não doía.
Tinham outras provas, com facas, fogo, cera quente de vela, pular no espinheiro coroa de cristo e muito mais e o que não faltava era coragem para essas sei lá o que, tínhamos sempre que estar provando. Nem por isso nos tornamos pessoas más, ou trazemos alguma mágoa ou trauma por ter apanhado de nossos pais como castigo por algumas das imperdoáveis maldades tão perdoadas de nossa fase infanto-juvenil.
Como somos evolutivos e logo constituí família, percebi na geração de meus filhos a total diferença no relacionamento tribal, com sinais de solidariedade mais ampla e tendências altruístas, quase sem maldades, em parte frequentaram as ruas com brincadeiras e arruaças mais moderadas, os grupos eram mais supervisionados pelos responsáveis, não passando muita coisa despercebida, além de serem mais benevolentes e equilibrados. Pelas mudanças de conceitos e costumes escaparam das surras corretivas já desnecessárias e ultrapassadas, tendo como castigo quando necessário, algum presente cancelado ou passeio adiado.
Mas agora com a geração infantil de meus netos, tenho visto que evoluiu muito para o bem, são muito mais amáveis e afáveis uns para com os outros e com certeza também muito mais vigiados e protegidos só que na grande maioria do tempo dentro de casa, pois inevitavelmente estão mergulhando no mundo cibernético e cada vez mais terão como castigo quando necessário, um tempo maior de bloqueio na rede.
Quiçá um castigo do futuro seja ter que ir brincar na rua. “Um tempo fora de casa já moleque”.
Sempre me empenho em repassar a eles, assim como fiz com meus filhos, alguns dos inúmeros truques, brincadeiras e segredos para confecção de artefatos que trago da minha infância, só que peneirados e adaptados para uma nova realidade, enfim não podemos permitir que tudo isso se apague completamente.
…. J VivanJr. *1647