Coluna: Luiz Bosco — O que é importante aprendermos a partir da tragédia em Suzano
Uma tragédia como a ocorrida em Suzano, no último dia 13, abala profundamente a todos nós por inúmeras razões. Crianças em uma escola deveriam aprender, brincar, fazer amizades, em um ambiente protegido não somente da violência, mas de todos os dissabores da vida adulta. Contudo, em algum momento ela foi esse espaço idílico, presente na nostalgia?
Possivelmente essa representação alegre seja a lembrança de muitos adultos, mas não retrata toda a realidade da escola. Ela é um lugar em que se valoriza o silêncio, a obediência inquestionável, a submissão e a reprodução de conteúdos distantes da vida do alunado. O projeto educacional predominante na modernidade é voltado a uma ilusão de igualdade, sem espaço para as diferenças.
Ainda que isso tenha mudado bastante, a escola continua como lugar de silenciamento, sem espaço para o desenvolvimento da afetividade e sem tempo para cuidar das questões emocionais das crianças e adolescentes; cuidados estes indispensáveis para quaisquer pessoas, quanto mais para aquelas em um momento sensível do seu desenvolvimento.
O que sabemos sobre aqueles que perpetram chacinas como a de Suzano é que se sentiam sem espaço na escola, rejeitados pelos colegas e que sofriam intimidação recorrente (bullying). Não se sentiam pertencentes a algo, nem ali dentro, nem fora dela. O mundo lhes parecia ser algo a que não teriam direito, fadados ao isolamento. São descritos como reclusos, tímidos, introvertidos.
Esse retrato esboçado aqui não explica o porquê de adolescentes ou jovens adultos invadirem sua escola, ou ex-escola, atirarem para matar e terminarem por tirar a própria vida. Cerca de um quarto da população escolar sofre intimidação, sob diversas formas, e não se torna homicida.
O que os estudos sobre o fenômeno constatam é que, em sua maioria, os autores dessas tragédias também apresentam outras características: são brancos, são homens, cultuam armas de fogo e ideologias de extrema-direita. Afirmam serem rejeitados por serem diferentes: consideram-se “bons” e “puros”, enquanto a sociedade valoriza os “maus”, os “bandidos”, os “corruptos”.
Sentem particular ódio com relação às mulheres. Afirmam que elas não os desejam pois preferem os “drogados”, os “criminosos” e “gostam de apanhar”. Para dar um exemplo, no massacre em Realengo, em 2011, o homicida tinha como alvo preferencial meninas.
Junte-se a isso a participação ou simpatia por grupos paramilitares ou supremacistas; nas grupalidades contemporâneas, como os “incels” (celibatários involuntários, na sigla em inglês), ou os “channers” (participantes de fóruns anônimos da Internet, muitas vezes tomados por pessoas que ali encontram espaço para disseminar discurso de ódio sem receio de punições).
Tudo isso no momento em que vivemos sob a égide da exaltação das armas de fogo e da eliminação do diferente, seja o “diferente” o “comunista-petista”, a “feminista”, a pessoa não-cristã, o morador da favela, qualquer outra identidade que não aquela aqui descrita – homem, branco, de extrema-direita, “puro” e “incorruptível”.
Os jovens homicidas de Suzano obtiveram orientações para sua ação em um fórum de extrema-direita e há indício de que tenham conseguido armas por ali também. Suas roupas homenageavam os perpetradores do massacre de Columbine, EUA, ocorrido em 1999. Depois de executado o macabro roteiro, foram exaltados como heróis nesse mesmo espaço e em outros.
Afirmar que os homicidas eram sociopatas não ajuda muito. A confluência dos fatores descritos até aqui constrói um “caldeirão de ódio” que, se não produz assassinos o tempo todo, ao menos é responsável pela disseminação de preconceito e ressentimento.
Esses jovens que veem ameaças e sordidez em tudo, particularmente nas mulheres, sofrem por se sentirem rejeitados e sem espaço na sociedade. O que não conseguem enxergar é que sua dor não é provocada pelas preferências femininas, ou por inimigos ideológicos “ocultos por todos os lados”. Ela é produto da própria masculinidade raivosa que defendem, do desprezo com relação a minorias, de uma sociedade excludente que impõe ideais de aparência, riqueza e consumo alcançados por pouquíssimos.
Tratam-se de questões amplas, cuja origem é milenar em alguns aspectos. O que está ao alcance das escolas é atentar para as necessidades emocionais de seus alunos. Mesmo aqueles que são “bonzinhos”, geralmente os silenciosos, disciplinados e de boas notas, também podem precisar de auxílio. É possível que um desses precise ajuda para lidar com suas frustrações e que lhe seja possibilitado superar seus problemas por meios construtivos.
É preciso, também, que se combata todos os preconceitos presentes na escola, mesmo os mais sutis. Intitulá-los sob “bullying” muitas vezes mascara as práticas e consequências de cada forma de discriminação.
Precisamos também que as políticas públicas se voltem para essas questões. Um passo é permitir que o Ensino Público contrate psicólogos(as), o que hoje é vetado por Lei (está na LDB). Outro passo importante é dar condições adequadas de trabalho (o que inclui turmas menos numerosas) e salário digno a educadoras e educadores.
Que a escola não seja apenas lugar de adquirir conhecimento instrumental para ser empregado no mercado de trabalho, mas de desenvolvimento integral do ser humano, de aceitação e de construção de boas relações. Não nos prendamos mais a rótulos, nem ao consumismo, nem a ideais profissionais inalcançáveis: valorizemos cada um e cada uma no que é, no que tem de melhor, e elaboremos estratégias para que suas frustrações, tristezas e raivas encontrem meios de expressão e superação construtivos.