Crônica: “O Apito” por Jair Vivan Jr.
O apito do Moinho Santista, audível em qualquer canto urbano da cidade anunciava a hora do almoço, assim iniciava-se a maior correria rumo às bicicletas perfiladas em pé nos estacionamentos, para ganhar tempo no caso de ficar retido em alguma cancela nas passagens do trem, apesar de muitos pularem a composição carregando a magrela, era perigoso, mas estava valendo.
Tinham os marmiteiros que faziam sua refeição rapidamente no local de trabalho para aproveitar ao máximo a soneca merecida do intervalo, já deixavam o papelão no jeito para deitar e tinha o lugar reservado, ai de quem se deitasse no cafofo do outro, dava briga.
Os chatos que levavam radinho de pilha tinham que ouvir bem baixinho para não incomodar o próximo, o certo seria usar fone de ouvido, mas insistiam em ouvir no volume baixo só de birra, para dar confusão. Os que roncavam alto acabavam sendo sacaneados de alguma forma, em qualquer momento iriam jogar alguma coisa em sua boca.
E seguia horário de almoço adentro em clima de total despreocupação, discussões sobre footbol, leituras de jornais e a disputa pela palavra cruzada, jogos de cartas, namoros e tal, pois quem tinha ficado não tinha preocupação maior naquele momento, a não ser ouvir o apito.
Se houvesse um espaço cimentado, até pequeno que fosse, rolava uma peladinha com bola de meia.
Mesmo porque no retorno acontecia imprevisto como soltar corrente, furar pneu, enroscar a calça entre a coroa e a corrente, caso não usasse aquela mola de prender a barra na canela e ocasionava atrasos.
O pior era se ao chegar na cancela estivesse passando lentamente um trem comprido de vagões mistos, que não desse para pular e neste momento soasse o apito do retorno, neste dia certamente chegaria atrasado.
A cidade ainda não contava com transportes coletivos, quase ninguém tinha automóvel e nem todos tinham relógio, as vilas eram próximas ao centro e os apitos das grandes empresas definiam nosso horário oficial.
Eu andava a pé e trabalhava na Casa Brasil, uma loja que ficava logo após a passagem de uma cancela, às vezes me atrasava estando parado bem próximo ao trabalho.
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JVivanJr.