MEMÓRIA MUSICAL-Entrevista: Lino Ferrari o maior “band leader” da música ourinhense

O casal Mariinha e Lino Ferrari durante entrevista realizada em dezembro de 2010

Entrevista a José Luiz Martins –

Os primeiros anos do século XX foram marcados pela intensa chegada de imigrantes de várias nacionalidades ao país. Para o interior de São Paulo muitos deles rumaram, japoneses,  romenos, libaneses, italianos entre outros formaram por muitos anos a força de trabalho nas lavouras de diversas regiões do estado.

Em Ourinhos além dos japoneses, os italianos também tiveram um papel muito importante na formação da cidade. Sobrenomes como Sândano, Saladini, Migliari, Mori, Milanezzi, Marchezini, Faila, Bugelli, os Ferrari e muitos outros figuram como pioneiros na história do município.

Quando o casal Ítalo e Hermínia Ferrari se estabeleceram em Ourinhos em 1915 vindos de Ipaussu, estavam estimulados pelas boas noticias que tinham da nova cidade fincada num extremo da divisa com o estado do Paraná. Comerciantes, de inicio montaram um pequeno bar numa rua de terra que levava o nome do fazendeiro Jacinto Ferreira de Sá, próxima a estação do trem, que margeava o trecho da ferrovia que divide a cidade ao meio.

Alguns anos mais tarde abriram mais um bar, desta vez na Rua Paraná que não por acaso, era o caminho que saia da estação e levava até a balsa que fazia a travessia do Paranapanema. Em 1917 Ítalo Ferrari inova e começa a fabricar com ajuda dos filhos Nilo, Ivo e Lino refrigerantes e cachaça, os produtos da Indústria Ivoram rapidamente caiu no gosto do povo na cidade e região.

O grupo musical da Cia Ferroviária São Paulo – Parana cirado nos anos 20

A musicalidade na família num primeiro momento, traz a trajetória do filho Lino que em suas primeiras lembranças musicais  o remete ao auge da expansão ferroviária com a Estrada de Ferro São Paulo – Paraná, que mantinha um grupo musical batizado de “Jazz da SSP”. O gosto e aptidão musical do jovem Lino começou a ser despertada ao som do ritmado “swing” da banda que durou até quando os ingleses fundadores da Cia, foram embora do Brasil e passaram o controle da ferrovia para outro grupo.

No final dos anos 30 Lino foi estudar em São Paulo, afinal, na Ourinhos de então estudo além primário era só em cidades maiores e na capital. Cinco anos se passaram e na volta definitiva para junto da família Lino retornou decidido que iria ser músico também. Em 1943 logo que chegou foi percutir na porta de um dos maiores nomes da musicalidade ourinhense, o maestro Américo de Carvalho,  nas palavras de Lino uma grande figura humana, que por muitos anos foi um  sustentáculos musical de Ourinhos ensinando  a arte de tocar um instrumento a muitos ourinhenses.

A partir desse momento Lino Ferrari (falecido em 2020) também se tornaria um dos maiores fomentadores da musica em Ourinhos.  Durante décadas incentivou e criou grupos musicais que fizeram a trilha sonora da cidade e região, levou a emoção da música a multidões  nos  anos “dourados”, semeou notas musicais que frutificaram também dentro da própria família que revelou outros talentos entre os Ferrari. Confira a seguir a entrevista de Lino Ferrari e sua esposa Dona Mariinha ( falecida em 2019) sobre a trajetória do maior “band leader” que a música ourinhense conheceu.

Antes do Sr.  se tornar músico como era a vida musical da cidade?

Me lembro do tempo quando construíram a estrada de ferro SPP (Cia. Ferrovia São Paulo Paraná) eu era garoto ainda, e quem comandava era os ingleses eles gostavam muito de música e formaram uma orquestra com vários músicos da cidade. Se fosse bom músico eles arrumavam emprego na ferrovia e tocava na orquestra.  Naquele tempo eles só tocavam no Grêmio, Eu não cheguei a tocar com eles, mas, durou bastante a orquestra da SPP, depois como a ferrovia foi vendida eles foram embora.

Como se deu o seu gosto pela música e o sax?

Eu queria ser militar da aviação, mais meu pai não deixou. Em 1938, fui estudar em São Paulo no colégio Bandeirantes aqui não tinha colégio, lá era só canto orfeônico, voltei definitivo em 1943. Eu já gostava muito de música, tinha bom ouvido, percebi que quando ouvia uma música eu assobiava direitinho então fui aprender com seu Américo, ele ensinava na casa dele na Barra Funda. O seu Américo me pôs pra aprender clarineta, disse que “antes do sax você vai aprender clarineta primeiro”, porque o sax é pobre em escala. Aprendi a clarineta com o método “Bonna” pra aprender a ler e fazer a divisão da música, até toquei clarineta na banda. Fica mais fácil tocar o sax depois que você aprende a clarineta aí é só aprender a dominar o instrumento. Depois que eu comprei o sax fui aprender tocando com os músicos profissionais que vinham de fora tocar nos cabarés que tinha na cidade..Eu toquei muito tempo com seu Américo nos cabarés também.

Ramiro e sua Orquestra com o saxofonista Lino ao centro

Quais eram esses cabarés e onde ficavam?

Quando os cabarés foram decaindo a gente já tinha um conjuntinho.  Os cabarés eram da “Conga”, outro da Milagrita” e da “Maria Junia”, depois só ficou dois. Eles ficavam na Rua Barão do Rio Branco, encostado no campo do Operário (em frente hoje é o Caló). Naquele tempo corria um rio de dinheiro aqui em Ourinhos. Sabe por quê! Por causa da guerra embarcava muito cereal daqui que era um entroncamento ferroviário como é até hoje. O transporte de mercadorias era só por estrada de ferro, de passageiro também, então corria um dinheiro grosso por isso que tinha esses cabarés com música. Naquele tempo o chefe da estação cobrava 200 cruzeiros pra arrumar um vagão embarcar cereais, até pra nós que trabalhávamos com bebidas era assim. Não tinha ainda a Brahma era só Antarctica, e a gente tinha pagar pro chefe da estação 200 contos pelo vagão pra levar os vasilhames pra fábrica mandar a cerveja. Todo cereal colhido aqui na região e do Paraná aqui encostado, passava por Ourinhos.

 

Grupo Ferrari e seu Ritmo que deu origem a Orquestra comandada por Lino Ferrari

Quanto tempo durou a era dos cabarés com musica ao vivo em Ourinhos?

Primeiro quem tocava nos cabarés era só os músicos profissionais que vinham de fora, naquele tempo tocava muito tango, geralmente vinha músico acordeonista, pianista, era gente que tinha experiência músicos bons. Isso foi durante os anos da guerra de 1942 a 1945, foi o auge tinha até revista musical. As mulheres vinham de pouca roupa e dançavam e cantavam as músicas, varavam a noite e não tinha briga eu nunca vi uma briga com tiros nos cabarés, apesar de tudo era tudo amistoso. Eu vi muito tiro e confusão aqui na região do Paraná em clube mesmo.  Todos que freqüentavam os cabarés eram respeitosos, a Conga e a Milagrita iam a São Paulo e sempre traziam mulheres de primeira linha, tem muitas que casaram e formaram famílias aqui.

Mariinha: Tem muitos descendentes delas que estão aqui, teve um que se formou em odontologia, outro engenheiro).

 Lino: O tempo da guerra foi mesmo o auge, em 45 quando a guerra acabou o dinheiro por aqui começou a escassear. Os cabarés foram entrando em decadência e os músicos profissionais foram sendo eliminados porque custava mais caro.  Então os músicos e conjuntos da cidade foram ocupando o lugar deles. Eu sei que ficamos tocando até o fim quando só sobrou só o cabaré da Milagrita. Nesse tempo a gente só tocava de sábado e nos feriados, antes, no auge dos músicos profissionais todo dia tinha música na zona. No nosso conjuntinho era eu o seu Américo, o Leônidas que e ra o baterista, o Faisca que era profissional tocava banjo e ficou por aqui, depois entrou o Ramiro. Ficamos juntos de 45 a 47, aí a gente já estava tocando também em bailes nos clubes da cidade já quase como uma orquestra, tocava muito tango, bolero, samba, marchinha era um ambiente muito bom.

Que clubes eram esses?

Operário nunca teve salão de baile, tocava no Ourinhense e o Grêmio, era baile de vez em quando num sábado, ou véspera de feriado. Os dois clubes faziam bailes de carnaval, só que no Ourinhense só fizemos carnaval um ano.

 Mariinha: O interessante da orquestra é que não era só pessoal daqui que formava a Orquestra, tinha de Santa Cruz, Chavantes, Cambará e Andirá. Eles quase não ensaiavam, telefonava e avisava semana que vem nós vamos tocar em tal lugar, aí um ia avisando o outro pra ficar mais barato. A minha casa era a pensão da orquestra, eles comiam lá, dormiam, todos artistas que vinham a Ourinhos iam procurar o Lino todos iam em casa e o Lino recebia e acudia a todos.

Foi por essa época que a o seu grupo começou a crescer e virou uma Orquestra?

A formação foi vindo devagar, tinha muito baile de formatura e de debutantes na região, era tradicional e os clubes começaram a exigir mais músicos, os bailes de formatura sempre tinha que ter pianista e tinha que chamar músico de fora. Tinha baile de formatura até de corte e costura, a gente começou a sair mais, tocar em muitas cidades do Paraná e outras de São Paulo.  Alguns clubes tinha piano, aqui só o Grêmio tinha, mas, toda vez que ia usar tinha que mandar buscar o afinador, ficava lá o piano à vontade e todo mundo mexia e acabava desafinando tudo.  A orquestra chegou a ter 15 músicos, mas geralmente era assim, três saxes, mais três metais, dois cantores, violão, contrabaixo, bongô, bateria e às vezes um pianista que tinha que buscar em Jundiaí.

 Mariinha: Não podemos esquecer dos uniformes, eram calça e paletó cor de vinho com camisa preta, era isso, não me lembro direito

 Lino: Nós tivemos esse e depois um outro por ocasião do baile da Marta Rocha em 1954…

 Mariinha: Esse baile foi muito importante, a Marta Rocha (a primeira Miss Brasil em 1954) veio, teve um desfile e baile pra escolher a moça mais elegante de Ourinhos. Quem ganhou foi à filha da dona Tata e Dr. Hermelino, foi o maior baile que teve na cidade naqueles tempos. A orquestra era um show, quando a música de abertura dos bailes começava, era uma correria pra fazer o seu parzinho pra dançar, qual era mesmo a música Lino?

Lino: O prefixo, na abertura dos bailes tocávamos sempre “Moonligth Serenade” do Glenn Miller. Que a gente tocava pra encerrar o baile também.

Ferrari & Orquestra em um balile carnavalesco dos anos 60

Como era na época de carnaval?

Os carnavais era uma beleza, muito lança perfume, o salão ficava perfumado, era na base da marchinha. Naquele tempo nós mandávamos imprimir as letras das marchas e colocava nas mesas do salão pro povo aprender e cantar com a orquestra.  Era tradição, as famílias inteiras freqüentavam os quatro bailes, compravam as mesas e se organ izavam em blocos, o carnaval do passado era um espetáculo. Hoje não existe nem compositores carnavalescos

 Mariinha: Tinha também o carnaval na rua, antes dos bailes no clube, ficávamos de dia, à tarde, atrás do filhos nas matinés, depois lá pelas 7 horas a gente ia à praça brincar jogando confeti e serpentina nos carros que passavam os homens tudo vestido de mulher, era muito divertido. Aí quando chegava nove e meia dez horas todos já iam pro clube.

Quantos anos duraram a Ferrari e Sua Orquestra?

Foram uns 30 anos, isso se contar também o começo com o conjunto, a orquestra mesmo com mais de dez músicos começou a partir de 1949. Durou até o fim dos anos 70, lembro que o ultimo carnaval que tocamos foi no Grêmio devia ser 78 ou 79 a data agora fica meio complicado.

 

O senhor disse que também tocou em circos?

Circo era uma coisa muito comum, volta e meia aparecia um e vinham com um ou dois músicos e o resto eles pegavam na cidade, a musica no circo era sempre ao vivo tinha que tocar sempre a música própria pra cada artista, era muito divertido tocar no circo fiz muito isso. Até em teatro a gente tocava, teve uma ocasião que veio aqui em Ourinhos um teatro do Nino Nelo, e ele chamou alguns músicos pra completar o conjunto e tocar na peça, tem até uma história engraçada envolvendo o Faisca que tocava baixo. Quando ele chamou a gente pra fazer um ensaio, o Faisca chegou e quando percebeu que a coisa era tudo na base da partitura, deu uma desculpa que não estava passando bem e sumiu da cidade por cinco dias, só apareceu quando o teatro foi embora. Ele sumiu porque não sabia ler música, ficou envergonhado, era um bom músico, mas não lia.

 

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