O Mundo Ao Nosso Alcance
Crônica de Jair Vivan Jr. –
Domingo era dia de frango assado, macarronada, caçulinha, doce caseiro de sobremesa e disputar o jogo do osso do peito do frango (como na época éramos em três irmãos, sempre dava confusão), mas tudo isso, só depois de ir à missa e cumprir a programação.
E se não fosse à Diacuí, depois do almoço a opção era assistir Silvio Santos ainda na TV Tupi. Mas se fosse à beira do rio o domingo era mais que legal, o contato com a água, seus bambuzais, saibro, taboa e tamarindo, tudo da natureza, como sempre tudo lindo e não mudava com o seletor de canais.
Lá também tinha um canal que não era de televisão, era o berço dos carás e onde minha mãe permitia mais adiante o rio afundava e só indo escondido e a gente ia.
Lá sim tinha peixe importante, lambari, mandi, piava,…, era como na TV, só para ver, mas também tinha quem pegava. Era o mundo natural, e a gente participava quase tudo que lá tivesse era de apalpar, tinha coisa que mordia, tinha coisa que espinhava, era tudo moleque esperto, se fosse de não chegar perto, coisa que metesse medo, rapidinho se mandava, agora tenho que ser sincero, se isso fosse na TV, simplesmente desligava.
No auge de uma festa, assim que os espetos de bambu encarreirados na comprida churrasqueira improvisada com tijolos eram liberados, consumidos e descartados, iniciávamos as lutas de espada, que durava toda a digestão, só depois poderíamos voltar para a água.
E encerrávamos as atividades com o canto das cigarras do bosque, que funcionavam como um apito de sinal para nos reunirmos rumo ao retorno, confirmado com o vazio do campo de bocha, o que significava que os adultos já estavam se movimentando.
Em algum momento mudou, a televisão tomou à dianteira, nos afastou da natureza e pois tudo na nossa frente, era tanta novidade, era um mundo em branco e preto, tudo sem sair de casa.
Era o mundo ficando triste, era a manipulação da massa na era televisiva, era só ilusão, os meus dias de barranco e os dias de sofá. Mas o mundo evoluía, ninguém mais segurava, vivíamos em plena mudança de hábitos, na evolução tecnológica, o caminhão que nos levava ao balneário, já não passava mais.
Domingo agora era de ficar em casa, meu pai parou de comprar o engradado de caçulinha e passamos a tomar Coca Família no almoço, 800 ml. Dava um copo americano pequeno até a risca, para cada um, o velho tomava cerveja.
Minha mãe diminuiu às guloseimas que começava preparar na sexta feira à noite, assistindo o Moacyr Franco, ainda sob o patrocínio de Maizena, pois vinham surgindo novas opções como os tijolos e as latas de sorvetes da Kibon e outros doces industrializados para facilitar a vida, assim dava mais tempo para ver televisão e inclusive conhecer as novidades, os lançamentos.
Além de outras modernidades que foram surgindo, deu gosto de ver minha mãe deixar o escovão e agora poder deslizar sua sensacional enceradeira elétrica no assoalho de tábua corrida sem o menor esforço, apesar de ainda ter que cobrir com folhas de jornais os pontos sem passadeiras, para poder aguentar lustrado e brilhando pelo menos até o domingo.
O liquidificador sem manivela, movido à eletricidade e a facilidade de ter acoplado um motorzinho em sua máquina de costura, já não precisava pedalar, era a vida ficando fácil, só não podia ligar ao mesmo tempo que a televisão para não dar interferência.
E dava para saber que vinham novidades, pois já tinham inventado uma tela para adaptar à frente do televisor e víamos a imagem em três cores em faixas horizontais, deixando tudo mais colorido. Era um mundo maravilhoso ao nosso alcance, sem que pudéssemos alcança-lo.
Fotos do acervo de Francisco de Almeida Lopes