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“Pisa Mansinho” na crônica de Jair Vivan Jr.

“Pisa Mansinho” na crônica de Jair Vivan Jr.

O passo manco do diretor certamente o denunciava, a pisada mais forte do pé daquela perna mais curta, calçado com o sapato ortopédico do solado de uns cinco centímetros de altura, talvez o tamanho do encurtamento da perna com aleijo, soava com um inconfundível: toc tuc, toc tuc, toc tuc, ecoando ao tocar o assoalho ou a escadaria de madeira do grupo escolar, normalmente dava o tempo suficiente para qualquer aluno sumir do alcance de visão daquele mestre carrancudo.

Rolava no pátio, pernada, pelada de bola improvisada, cata deixa nas figurinhas e até roubo de merenda, fila e aglomeração no cocho com diversas torneiras de água potável mas não filtrada, fila do leite de soja americano, fila da sopa da caixa escolar, já tinha fila para tudo, mesmo que para entrar na aula também tinha que fazer fila, a mais indesejada era a das vacinas obrigatórias que chegavam sem aviso para que não houvesse evasão.

Tínhamos medo do porão, rolavam algumas estórias misteriosas normalmente contadas pelos veteranos e nos faziam pelar de medo e às vezes até cortar volta da portinha, invadida com o tempo e tendo os mistérios desvendados, já o medo do dentista pelo qual tínhamos que passar periodicamente aumentava com o tempo, quanto mais velho maior a chance de tratamento.

Bom também era o dia de tirar fotos para a lembrança escolar, levava praticamente todo o período de aulas entre o sobe e desce e o faz filas envolvendo todos os alunos da escola, dava até um clima festivo.

 

Escola Horácio Soares o “Instituto”

E tinham as indispensáveis rodas de brigas que iam engrossando quando se estendiam, mas o inspetor de alunos impunha respeito, só de chegar esticando os suspensórios nas forquilhas dos polegares erguendo ainda mais a calça pula brejo que cinturava acima do umbigo, já fazia a roda se dispersar.

Por certo a briga continuaria na saída, fora da escola e rolava de boca em boca resultando sempre em grande plateia. Formada a grande roda limitada por um circulo riscado com giz e orquestrada por um intermediador, espécie de juiz que separava com a mão a cara dos confrontantes e ao abaixar dizia: – quem for homem cospe aqui, iniciando o embate e só determinaria o final da briga quando um dos dois pedisse água em sinal de desistência.

Tamanho era o acumulo de alunos que a roda engrossava impenetrável, forçando um acavalamento que até acabava resultando em sub-brigas, animando ainda mais o evento e ainda adjacentes rolavam as apostas e as zoações, pendurando rabo de papel nos distraídos e carimbando o uniforme azul marinho com giz branco escrito na bolsa de material, normalmente “24” ou outra palavra curtinha, desde que escritas de trás para frente a fim de sair certo na carimbada.

Quanto mais duradouras as brigas melhor para os vendedores ambulantes, o Loredo, o “bolinheiro”, o sorveteiro, a baiana da cocada, o da martelinha e alguns outros rachavam de vender.

Era bom o dia de briga boa, mas tinha dia que dava ruim, um dos desafiantes dava um jeito de fugir antes do final da aula, melando a briga, podia até ficar para outro dia, desencadeando perseguições e tudo o mais, mas não era a mesma coisa, perdia a força, só mesmo uma briga nova.

Grupo Escolar de Ourinhos o “Grupão”

Conforme a graduação escolar, íamos conquistando posições de destaque e importância em detrimento dos novatos e assim nos sobrepondo e transferindo as tradições até mudar de fase.

Assim como o Tiro de Guerra preparava para a fase adulta, ao terminar o primário, o curso de admissão nos iniciava na adolescência, já no ginásio, outros interesses, novos desafios, inspetores treinados em tentar evitar a matança de aulas, alguns cediam aos assédios e acabavam fazendo vista grossa, outros eram mais severos, mas no final não menos queridos.

A maior dificuldade era a de se adaptar ao novo diretor com a característica adversa ao anterior, pessoa de aparência simpática, de início não impunha medo, mas chegava de fininho com seu passo manso, quase que imperceptivelmente, tornando uma fuga praticamente impossível, era conhecido pela alcunha de “Pisa Mansinho”.

… JVivanJr.

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