Homeschooling: proposta do governo para expulsar os pobres da escola?
Mauricio Saliba
Para quem não sabe, homeschooling é um projeto do governo para desobrigar os pais de matricularem seus filhos na escola e poderem ensiná-los em casa.
Essa ideia nasce dos paranóicos do governo e seus ministros, entre eles a apedeuta Damares, partindo do princípio de que na escola se ensina o “comunismo”. Observação importante é que para essas mentes deturpadas que ocupam o governo “comunismo” seria ideologia de gênero, aborto, educação sexual etc. Não é o escopo desse texto, mas qualquer aluno de ensino médio sabe que isso nunca foi, nem nunca será, comunismo. Além disso, a escola nunca praticou a doutrinação nesses quesitos, pois a educação sexual sempre foi ensinada no sentido de cuidados e não de promiscuidade, mas quando se trata de mentes deturbadas tudo se leva para questões anais.
Voltando a deletéria proposta do homeschooling, vamos pensar: quem arcaria com as consequências?
Vamos começar pela elite do país: é lógico que, se os abastados (classe média alta e ricos) desejarem não mais colocarem seus filhos nas escolas, pagarão professores particulares e aulas de reforço sem nenhum problema. Além disso, essa classe tem, geralmente, uma “bagagem cultural” suficiente, pois a maioria delas é escolarizada. Dessa forma, seriam pouco afetados.
Mas tem um detalhe, sabemos que essa classe elitizada, com raríssima exceção, não vai retirar seu filho da escola. Até porque querem distância e já pagam escola para fazer o papel de pais. Portando, essa lei não afetará essa classe.
Agora, e os mais pobres? Primeiro, se tirarem seus filhos da escola, também com raríssimas exceções, são as classes menos escolarizadas, portanto com menos condições de dar suporte educacional a eles (coisa que a pandemia está esfregando na cara desse pobre governo). Pior que isso, afora de não terem condições culturais de ensinar seus filhos também não têm condições financeiras para pagarem um profissional qualificado para aulas particulares. Dessa forma, devem manter seus filhos não escola. A homeschooling não é para eles. Ou, talvez, seja, para eliminá-los da escola?! Vamos ver!
Nesse caso, dos mais pobres, o detalhe é mais perverso e os problemas não param aí, pois grande parte dos pais desse grupo de mais pobres vão retirar seus filhos da escola, já que não será mais obrigatório estudar e os colocarão para trabalhar. Não é por maldade, mas por necessidade. A escola é um estorvo, já que todos têm que colaborar para a sobrevivência que se torna cada vez mais difícil. Estudar é um luxo que nem todos podem arcar. Esses alunos, como reproduzindo a história de seus pais, não possuem capital cultural (no sentido de Pierre Bourdieu), não vislumbram futuro na escola, uma vez que parece não ser feita para eles; não se sentem à vontade como a classe média e abandoná-la seria um prazer. Para o sociólogo Pierre Bourdieu, a escola é um espaço de reprodução de estruturas sociais e de transferência de capitais de uma geração para outra. Na escola, o legado econômico da família transforma-se em capital cultural. Coisa que as classes pobres não tem. Se a classe média e alta é mais bem preparadas para a vida escolar, possuem docilidade ao se tratar dos afazeres na escola. Já as classes mais pobres, tendem a não dar tanta importância para a instituição escolar à medida que sua família e pessoas ao seu redor também não dão.
Portanto, pelo princípio constitucional, não posso fazer uma lei apenas para um grupo, todos terão esse direito. O efeito paralelo será o abandono em massa da escola dos mais pobres. Mas dada a perversidade desse governo com tudo que é humano, não seria um plano de forçar a evasão em massa dos pobres da escola, a destinando a seus “verdadeiros” representantes: as classes altas da sociedade?
É lógico que esse projeto afeta também a socialização promovida pela escola, uma vez que é nela que as crianças aprendem o respeito ao próximo, a cidadania, a diversidade e a interação social. Retirados da proteção egocêntrica da família, na escola os alunos aprendem que são mais um e não o reizinho da casa. Esse projeto aumenta o foço do Apartheid social, já suficiente consagrado pela divisão de escolas em privadas e públicas.
A homeschooling, portanto, é a consagração da ideia elitista que perpassa a história do Brasil e, nesse momento, presente no governo e todos os seus ministérios: “lugar de pobre não é nos bancos escolares, mas no eito”.