Pauta inviável
As lutas identitárias – de mulheres, negros, indígenas, gays, LBTIQ+, transgêneros e assemelhados – representam um avanço na democracia. Neste vale de lágrimas, a possibilidade do sujeito poder ser o que é, sem precisar se esconder em armário ou debaixo da cama, é indício de felicidade. O homem nasceu para ser feliz. O resto é acidente de percurso. Isso me leva a refletir sobre a dificuldade – o contratempo – de falar e escrever sobre um destes segmentos sociais, a negritude no Brasil. Em meio século trabalhando na grande imprensa aprendi que este tema-tabu derruba gente grande. Basta o telefonema queixoso de um bispo para o dono do jornal mandar embora o jornalista por causa de texto sobre…negritude.
William Waac, estrela do jornalismo da TV Globo, meu amigo de imprensa, foi demitido por causa de uma fala extemporânea fora do ar. Não foi o primeiro caso. Tema-tabu. As feridas da escravidão negra ainda sangram no Brasil miscigenado, e me faz lembrar o caso da pauta (assunto) inviável ocorrido no glorioso “jornal da tarde” (1966/2012), onde iniciei minha carreira. Eu, João Teixeira, comecei minha carreira jornalística como repórter esportivo do revolucionário Jornal da tarde , fundado em 1966 por mino carta e tocado pelo talento do grupo mineiro, Murilo Felisberto á frente, o jt do new journalism de tom Wolf, inigualável na imprensa brasileira. Outro repórter esportivo – do Estadão – desta época tornou-se estrela global: Fausto Silva.
Tive bons mestres, como Alberto Helena Júnior, Vital Bataglia, Roberto Avallone, Castilho de Andrade, Moacir Japiassu, a plêiade de talentos que encantava os leitores da época. As cabeças pensantes e textos brilhantes -bataglia ganhou 4 vezes o prêmio Esso- que nos lançavam pautas com o seguinte teor: por que Muhamed Ali, nascido Cassius clay, estrela máxima do boxe mundial, torna-se muçulmano, milita no movimento negro (Black power), nega-se a servir o exército e de ir lutar no Vietnã, contesta o sistema que descrimina os negros, e aqui no Brasil caboclo outro rei, o rei do futebol e craque do século 20, Edson Arantes do Nascimento, nega-se a dar declaração sobre o racismo anti-negro.
Essa questão veio a se tornar nossa pauta inviável, a inatingível, aquela que jamais se cumpriu. Pelé sempre driblou os jornalistas patrícios que tentaram formular a pergunta incômoda. Faço votos que a Netflix tenha conseguido arrancar alguma declaração política ou social do rei do futebol nesta etapa da vida. Brazil Vale mais que Brasil. A História se escreve em inglês.