As meninas de Ibiúna – PARTE II
João Teixeira
O protagonismo feminino no movimento estudantil, em 1968, na resistência á ditadura civil-militar (1964/85), causou perplexidade nas autoridades civis, militares e eclesiásticas no País.
Esta abordagem – a expressiva força da militáncia feminina – mereceu críticas por parte de setores esquerdistas, de dirigentes políticos, de feministas e cientistas sociais, preocupados essencialmente com o significado político e social mais geral do movimento social.
As questões identitárias, de género, e a defesa do meio ambiente e das minorias – temas tão caros hoje na democracia – há meio século não estavam na pauta da luta contra o inimigo comum – a derrubada da ditadura civil-militar.
E as mulheres entraram firmes na luta. Viveram aventuras e desventuras, romances, perseguições, prisões, torturas e mortes na caminhada libertária.
O Projeto Brasil Nunca Mais (BNM) relacionou 707 processos judiciais militares até a anistia de 1979, 695 dos quais referentes a 7.367 cidadãos denunciados á Justiça Militar. Destes, 12% eram de mulheres.
Não era pouco, numa época em que a sociedade reservava ás mulheres unicamente o papel de guardiãs do lar, parideiras de filhos e sustentáculos dos valores da civilização ocidental cristã.
O chauvinismo e o preconceito sexual das autoridades exalavam nos interrogatórios das presas políticas.
Levantamentos mais recentes demonstram maior protagonismo feminino no movimento social. Em “As mulheres na política brasileira: os anos de chumbo”, publicado na revista “Tempo Social”, o professor Marcelo Ridenti, do Departamento de Sociologia da USP, relacionou 4.124 processos nas organizações clandestinas – 660 eram de mulheres.
Este índice sobe para 18% no conjunto das organizações urbanas: ALN, 76 mulheres processadss; VPR, 35; PC do B, 47. Dados relativos a SP, RJ e algumas capitais do Nordeste.
Em “Mulheres que foram á luta armada” (Ed. Globo, 1998), o jornalista Luiz Maklouf Carvalho entrevistou 80 mulheres vivas envolvidas na luta armada.
O “Dossiê dos mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964” aponta 24 mulheres mortas e 20 desaparecidas, entre 124 nomes.
A estatística comprova que o assassinato de Marielle Franco (motivação politica) e incontáveis mulheres vítimas de crimes comuns e passionais tem antecedentes históricos.
Infelizmente, a violência contra a mulher está introjetada na cultura e no comportamento machista tupiniquim.
Outubro de 1968 – o ano que nunca terminou – foi marcado por forte agitação estudantil. Começou com a “Guerra do ovo”, no dia 2 para o dia 3, entre os estudantes esquerdistas da Filo/USP e os direitistas do Mackenzie, estes auxiliados por grupos paramilitares, na Rua Maria Antônia.
O conflito culminou com a morte do secundaristas José Guimarães e vandalismo nas ruas do centro – tema do próximo artigo.
No dia 12 de outubro, os jornais circularam com manchetes bombasticas: a PM de Sorocaba e o Dops prenderam mais de 1200 estudantes universitários no congresso clandestino da UNE, no sítio Murundu, em Ibiúna. Os policiais usaram mais de 80 ônibus para transportá-los para o Dops, o Carandiru e o presídio Tiradentes.
A prisão em massa, de universitários das principais faculdades do País, do Maranhão ao Rio Grande do Sul, levou á identificao e indiciamento de dezenas de Marias, Anas, Antonias, Helenas, Lucias e Clarices, as meninas de Ibiúna, cuja média de idade variava de 18 a 25 anos, que encheriam páginas e páginas. Os dados pessoais de 150 delas podem ser acessados pela Internet (htpps://documentosrevelados.com.be).
Estavam em Ibiúna as mulheres que comporiam as organizações clandestinas: Heleni Telles Guariba; Lúcia Murat; Maria Augusta Thomaz; Ana Bursztyan; Crimeia Teles; Gastone Lucia; Ranúsia Alves Rodrigues. Foram algumas delas.
Várias já usavam nomes-de-guerra, como Robeni Baptista da Costa, de 22 anos, da Filo/USP, que era Rosángela Maria Gonçalves.
“Todas nós éramos lindas, e os meninos também” – recordou.
A jornalista Olga Sérvulo lembra que ficou com uma bolsa vermelha, detalhe de identificação, na porta da igreja do Largo de Pinheiros, ” como contato para receber gente do Nordeste e que encaminharão para um outro contato, para o transporte até a cidade-sede, que eu, como contato, não sabia qual seria”
“Havia cuidado total com a informação. Descuidaram-se lá no final, indo comprar quantidade absurda de pães na padaria local. O padeiro estranhou e deu no que deu”.
De quantas Marielles o Brasil precisará para forjar seu futuro?
Palavras-chaves: congresso de Ibiúna, movimento estudantil e mulheres na luta armada.