A crise do capital, as opções do governo e a ilusão sindical do “mal menor”

Kleber Mauricio Mariano*

No Jornal Folha de São Paulo, na edição do dia 06 de julho de 2015, na seção mercado, há uma entrevista do presidente do grupo Cosan, maior produtora de etanol do mundo, Sr. Rubens Ometto. Seus inúmeros elogios à presidente Dilma e ao plano de ajuste fiscal de Joaquim Levi, afirmando que os rumos da economia brasileira estão no caminho certo, ressaltando a profunda satisfação com o governo, deixa claro quem está sendo contemplado por essa política, apoiada pelo PT e pelas direções sindicais que colaboram para a consumação dos interesses do capital.

Em 2011, após a aquisição da Cosan pela Shell, foi criada a “joint venture” Raizen para gerir o setor do etanol. Atualmente no Brasil existem 23 unidades da Raizen em funcionamento, tornando-a a maior produtora de etanol do país. Esse fato trouxe profundas consequências sociais para os trabalhadores deste segmento. Na medida em que a empresa foi crescendo, adquirindo novas plantas e formando o monopólio no setor, foi dominando o mercado e colocando para fora os capitais menos competitivos, ocasionando o fechamento de diversas usinas menores causando desemprego e interferindo diretamente na economia dos municípios onde se localizam as empresas fechadas.

Por um lado, o governo brasileiro, não somente deixou para o setor privado, como preferiu deixar na mão do capital estrangeiro um setor extremamente estratégico. Ao invés de buscar reverter a privatização feita, promovendo medidas em direção à estatização, defendendo os empregos e a dinâmica econômica, o que se viu foi o inverso, com medidas que aumentaram o monopólio deste setor.

Por outro lado, os sindicatos diante das demissões fez o trivial, acionando o Poder Judiciário, buscando garantir os direitos dos trabalhadores demitidos, mas sem esboçar nenhum tipo de reação contundente no sentido de garantir os direitos trabalhistas, dentre os quais o próprio direito ao trabalho. Da mesma forma, os sindicatos não tiveram preocupações devidas quanto à dinâmica econômica local, a defesa dos empregos indiretos e a própria função social da propriedade. Pelo contrário, sob o fantasma das demissões, o movimento sindical, acuado, se deixou ser usado pelos usineiros engrossando o coro na alegação de uma crise com o propósito de conseguir mais isenções tributarias para o setor sob a bandeira de manutenção nos empregos¹.

Desta forma, com a consolidação do monopólio no setor do etanol, a Raizen vem fazendo uma adequação para a contenção de despesas, alegando prejuízos, querendo justificar a necessidade de demissões. Recentemente, só nas unidades de Barra Bonita, Jaú e Dois Córregos no interior de São Paulo, foram demitidos mais de 600 trabalhadores rurais².O grupo já teve em seus quadros mais de 40 mil operários, e hoje possui 29 mil agora analisa quais as unidades que são mais competitivas, com maior capacidade de moagem, transferindo toda a produção para a maior e fechando as portas das menores, demitindo cada vez mais trabalhadores.

O governo brasileiro há algum tempo vem cedendo as pressões patronais e concedendo benesses a vários setores, sendo este um deles³. A renúncia fiscal do setor, através da desoneração concedida pelo governo para as empresas sobre a contribuição do PIS/COFINS no ano de 2013 chegou a R$ 970 milhões, deixando o governo de arrecadar num período de 12 meses a quantia de R$ 1,181 bilhão de reais. Foi também concedida uma linha de credito com o BNDES de R$ 4 bilhões de reais direcionadas para o plantio de cana e mais R$ 2 bilhões para estocagem de álcool, além de um aumento da mistura de etanol na gasolina que passou de 20% para 25% que representou uma redução de menos de 0,5% no valor da gasolina para os consumidores.

Por tudo isso, justifica-se a satisfação do Sr. Rubens Ometto e demais produtores ao governo brasileiro. Entretanto, como se não bastasse tudo isso, agora ainda vão pressionar mais o governo para desonerarem também a folha de pagamento. 4

Assim, fica claro que a classe trabalhadora não pode se iludir e esperar nada nem do governo e nem dessas direções sindicais que, ao invés de combater a defesa dos postos de trabalho e uma planificação pública e estratégica de um setor importante da economia, preferem manter o comodismo e apresentar medidas como PPE (programa de proteção ao emprego), ou negociar “lay-off”, PDV ou mesmo defender a regulamentação da terceirização, medidas essas que contemplam apenas aos patrões. Por outro lado, as empresas se aproveitando dessa aceitação das direções sindicais, propõem a flexibilização de direitos nos ACT e CCT, de outro o governo descaradamente, para compensar as desonerações concedidas aos patrões, apresenta Medidas Provisórias que também retiram direitos semelhantes, as MP’s 664 e 665 recentemente aprovadas com apoio massivo da bancada do PT e do PCdoB.

Desta forma, cabe a todos nós denunciar tais processos, combater sob uma perspectiva classista, explicar pacientemente o significado do monopólio privado neste estratégico setor, bem como refletir sobre diferentes táticas para a defesa dos postos de trabalho e dos direitos trabalhistas. Nesse sentido, devemos nos pautar pela dinâmica da luta de classes, aliando o combate direto, em cada usina, em cada empresa, com um constante trabalho de formação política, envolvendo todo o conjunto da classe trabalhadora. Somente assim iremos recuperar a concepção classista deturpada pela politica de colaboração de classes que vem sendo aplicada pala maioria dos sindicatos, sejam eles ligados à central X ou Y.

Desde junho de 2013 uma nova situação política se abriu no país. A juventude e a classe trabalhadora vêm demonstrando disposição para combater as mazelas do capitalismo que conta com a colaboração do governo burguês e dos sindicatos para sua manutenção. A luta contra o capitalismo nunca foi fácil. As ideias dominantes são as ideias da classe dominante. Marx já nos ensinou isso há tempos. Por isso, devemos buscar forças nas bases econômicas do capitalismo e desnudar o caráter do Estado nesta sociedade, combater o governo que, lastimavelmente, optou por privilegiar o setor patronal em detrimento dos trabalhadores.

Portanto, a luta deve ser classe contra classe, superando divergências menores existentes no movimento sindical e entre diferentes correntes da esquerda brasileira. Devemos avançar na construção de uma frente de esquerda capaz de virar a pirâmide de ponta cabeça, construindo uma sociedade justa, livre e igualitária para todos nós, sem exploração e opressão. Nossa luta sempre foi e deve continuar sendo pelo socialismo.

Notas:

1. http://ruralcentro.uol.com.br/noticias/setor-sucroenergetico-movimento-mobiliza-15-mil-em-sertaozinho-79563

2. http://www.jcnet.com.br/Regional/2015/06/raizen-demite-600-trabalhadores.html

3. http://oglobo.globo.com/economia/governo-zera-pis-cofins-da-credito-subsidiado-para-produtores-de-etanol-8191428

4. http://www.jornalcana.com.br/setor-quer-desoneracao-da-folha-de-pagamento/

* é diretor do sindicato dos trabalhadores nas industrias químicas de Ipaussu e região.

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