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O campo da “paia” e um certo lateral esquerdo chamado “Servilho”

O campo da “paia” e um certo lateral esquerdo chamado “Servilho”

José de Oliveira “Servilho”

Por José Luiz Martins –

O jornalista, escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, um apaixonado e um dos mais brilhantes cronistas do futebol certa vez disse: “O que nós procuramos nos clássicos e nas peladas é a poesia, insuspeita e absoluta, há por todo o Brasil uma sede e uma fome de bola”. O gosto do brasileiro pelo futebol é algo intrínseco, já discorri sobre isto, também sobre os campinhos dos bairros como meio de tornar o sonho de ser um jogador de futebol realidade. Onde tudo começa.

Já contei a história do campo das “toras”, das “almas”. Agora bola da vez é o campo da “paia”. Final dos anos 30, entre as atuais ruas Arlindo Luz, Rio de Janeiro com Souza Soutelo ficava o tal campinho. Bem próximo, havia uma máquina de beneficiamento de arroz na Rua Arlindo luz, então alguém teve a ideia de aproveitar a palha do arroz espalhando-a, principalmente na pequena área e debaixo das traves, para proteger os goleiros nas quedas.

Assim ficou conhecido, o campinho da “paia”. Entre os meninos que por ali passaram e mais tarde integraram as principais equipes varzeanas e amadoras da cidade está José de Oliveira. Natural de Chavantes, mudou- se para Ourinhos em 1937 então com oito anos. Aos 13, juntamente com

outros garotos, não perdia uma pelada que acontecia todo dia. Apelidado de “Servilho”, nome com qual ficou mais conhecido, cresceu nas peladas do campo da paia. Ficamos conhecidos como o time da paia, entre os times de garotos da época éramos o melhor, era difícil ganhar da gente”.

Os nomes dos integrantes do time ele tem na ponta da língua. “Jogavam Aníbal, Tininho, Carreiro, Demétrio e Padeiro. Lolinha, eu, Chico, Jurandir, Baltazar e Zé Luiz. Esse era o time da paia, ninguém tinha chuteiras, todo mundo descalço era assim. Nós chegávamos a dormir lá pra jogar no outro dia, ali no nosso campo não perdíamos, o campo tinha uma caída, era em desnível e a gente aproveitava isso”.

Foi assim por pelo menos quatro anos, até que um diretor do E. C. Operário que morava perto do campo e acompanhava os rachas, acabou levando parte da turma da paia para treinar no clube. Fã do C. A. Ourinhense, Servilho lembra que ficou de fora por simpatizar com o arqui-rival do Operário, afinal a cidade era dividida em duas esfuziantes torcidas. “Eu sempre ia ver os treinos do Ourinhense, e um dia eu tava lá e faltou um lateral esquerdo. O treinador Antonio Luiz Ferreira falou, entra aí e corre para completar o treino. Descalço entrei e dei trabalho, peguei uma bola driblei uns cinco e fiz um bonito gol”.

Ao final, o diretor do clube Miguel Cury que assistia ao treino, quis saber quem era o autor da bela jogada, disseram que se tratava de um garoto pobre conhecido como “batatinha”, não tinha chuteiras e jogava no campo da paia. “Seu Miguel então falou: manda ele ir na loja do Peixinho pegar um par de chuteiras, depois disso passei a treinar na equipe juvenil. Eu driblava muito, tinha habilidade, o treinador Neco que veio de São Paulo achou que eu jogava como o famoso Servilho do Corinthians, e me deu esse apelido”.

Por volta de 1945, Servilho passou a integrar a equipe principal do Ourinhense com a qual foi campeão em 1950 e onde jogou durante sete anos. Depois passou pelo Operário por um curto período, Gazeta, Paulistinha, na Equipe da Sanbra (A.A. Ouro Branco) e no Nacional A.C. Nessa época os jogadores não ganhavam para jogar, o talento com a bola nos pés servia como trampolim para conseguir trabalho e alguma ascensão social. Os clubes representavam uma forma de acesso a um novo emprego. O termo “cartolagem”, talvez não existisse ainda, mas pode ser aplicado a essa situação muito comum no meio futebolístico já naqueles anos.

Os entusiastas e dirigentes naquele tempo se valiam dessa estratégia para trazer bons jogadores para seus clubes. Essa prática perdura ainda existe nos dias de hoje no futebol amador e varzeano. Não foi diferente com Servilho, em 1954 integrou a equipe A.A. Ouro Branco (conhecido como time da Sanbra) onde conseguiu um emprego. Em 56 um grande campeonato municipal amador foi realizado entre as equipes da cidade, a equipe da Sanbra não entrou e proibiu que seus

jogadores empregados jogassem por outras equipes. Por ironia do destino isso foi um problema para o lateral Servilho, bom jogador, foi procurado pelo Nacional com uma proposta de jogar em troca do bicho. “O time do Nacional me ofereceu um bom dinheiro e eu topei, no dia seguinte ao primeiro jogo do Nacional cheguei na Sanbra e o Sr. Antonio Capatto (chefe e treinador), estava com minha carta de demissão pronta”.

Mas, quem tinha habilidade e jogava bem sempre conseguia uma colocação assegurou Servilho, “… só não conseguia emprego quem não gostava de trabalhar, também trabalhei na Rede Ferroviária por que fui jogar no Paulistinha” . Na prefeitura não entrei por que jogava e ganhava na equipe de Palmital”.

Foi assim com outros jovens que passaram pelo campo da “paia” e foram jogar no Ourinhense ou Operário os admirados clubes da cidade. “Para o Ourinhense foram o Aníbal goleiro, o ponta esquerda Zé Luiz, Baltazar, Demetrio, Carreiro e eu”. Servilho lembra com saudade do campo da “paia” e dos vários momentos que viveu nessa época, em especial recorda de como era uma aventura jogar contra os times da vila Odilon.

“A Vila Odilon tinha fama de ter times com jogadores que davam muita botinada, batiam mesmo. Quando íamos jogar lá tínhamos que deixar pronto uma estratégia de fuga. Juntávamos todas as nossas roupas e pertences e escondíamos no mato e deixávamos alguém vigiando. Se a coisa engrossasse dentro de campo, saíamos correndo para o esconderijo e fugíamos pra cidade. Foram muitas vezes que isso aconteceu e nós nos divertíamos muito”.

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